Poesia para despertar Sophia

Poemas inspirados em vivências filosóficas




Lembrei-me, esta manhã, da minha infância

E dos bolos que minha mãe fazia,

Tão perfeitos, tão estéticos,

Mas feitos para serem consumidos,

E assim, ante os meus olhos, iam sumindo,

Deixando sempre, em meu coração,

Um gosto de tristeza e nostalgia.

“Não liga para isso”, a mãe dizia,

“Mamãe faz mais”, falava com brandura.

Mas a verdade é que essa simples lógica

De construir, consumir e substituir,

Que é a tônica da natureza,

Sempre me pareceu cruel e dura.

E a somatória de toda essa tristeza,

Ao longo de uma vida inteira,

converteu-se em revolta e amargura

Contra um Criador que permitia

Que as formas se consumissem tão vorazmente,

Sem compaixão por suas criaturas.

Não entendia que haveria o leite eternamente,

E que o bolo foi feito, não em vão,

Mas para alimentar o ciclo da vida que se renova,

Rumo à Vida real que se pressente.

Construí um mundo sob a ótica do bolo;

Valores, virtudes e moral de bolo,

Constantemente amargurada pelas mordiscadas que a vida ia me dando,

Não por maldade ou por bondade,

Mas por imperiosa lei que a faz prover

Os ciclos que virão, e suas necessidades.

Tão difícil remover daí minha consciência

Para levá-la em direção ao branco Leite,

Que participa do bolo, mas que não é ele,

E que comporá outras receitas, quando ele se for.

Tão difícil entender as razões do Criador,

De usar vida para gerar Vida,

Aplacando meus protestos, compreendendo suas razões...



Nessa manhã sem bolo, com minha xícara de chá,

Uma manhã apenas, em meio a milhares que se foram e que virão,

Em que a natureza se esmera, como sempre, em servir a mesa,

Sem revolta ou amargura pela eterna renovação,

Fico imaginando se cada uma dessas manhãs carrega uma migalha

Para que um dia amanheça de fato,

E se cada uma delas se eterniza nesse ato,

No sacro ofício de carregar migalhas de luz,

Assim como todos os bolos do passado

Compõem o corpo que uso hoje,

E negar-me a consumi-los teria sido

Negar-se a prosseguir, segundo a Lei.

.

Vejo os olhos de alguém, em uma foto,

De alguém que foi como um Lótus.

Acima das águas, serena.

Jamais se deixou afetar

Pelos que se debatiam nas águas,

Agressivos, ansiosos por ar.

Mas entregou, para servir de alimento,

A forma com que o Criador a moldou,

Caprichoso cozinheiro,

Cioso em nutrir seus filhos.

Mas a serenidade em seus olhos é de quem sabe

Do ingrediente imortal que a compõe.

Seu mundo é um mundo de Leite,

E, nesse mar do Eterno Ingrediente,

sua Alma flutua, tranqüila,

e transborda serenidade,

essa que tanto tenho buscado,

essa que busco tão ardentemente.

Que eu possa provar, Dama tão nobre,

De uma gota sequer de tua Verdade

Que me permita reconciliar-me com o Criador

E colocar-me a seu serviço, em paz, enfim,

Consciente do Divino Ingrediente

Presente em mim.

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