Poesia para despertar Sophia

Poemas inspirados em vivências filosóficas

VALKÍRIA


Plástica e variável é a máscara
que oculta minha verdadeira face.
Ninho de contradições, essa película
que amo utilizar como disfarce.
Ora aspira à harmonia e à beleza,
ora as despreza.
Ora busca a estética perfeita,
ora a rejeita.

Sufocada em meio a tanta turbulência,
fui à quietude do meu coração.
Esta questão, que trago de tão longe,
ousei encaminhá-la à minha essência.

Com a busca interminável da idéia da beleza,
contrasta a negação de suas vulgares expressões.
Qual seria, então, a beleza que busco,
que ronda, incansável, os meus sonhos,
que arde a minha alma por sua ausência?

Ocorre-me, então, tua lembrança,
e, em meio à quietude e ao silêncio,
mergulho a fundo em um outro mundo,
no mundo dos sonhos,
e é lá que vou ao teu encontro.

Na vasta planície imaginária,
correndo em direção ao sol ardente,
altivo seu perfil, contra o horizonte,
eu vejo a Valkíria legendária.

Cabelos ígneos de seu Pai Etéreo,
avança, nobre filha de Odin.
Ao longe, seu pai lhe abre os braços,
porto final da vida e seus mistérios.

A regularidade de seus traços,
a determinação de seu olhar,
a firmeza da mão, para domar
o seu corcel bravio em forte laço.

Em sua mágica cadência,
pelo coração marcada,
não percebe os obstáculos,
solidão, abismos, nada.

Contigo vivi meus momentos de glória
nessa região nebulosa do sonho.
Em alguns instantes, raros e fugazes,
ousei tomar para mim a tua história.

Vi o mundo com teus olhos,
toquei-o com tuas mãos.
Em mim, o teu coração
batia firme e seguro.
Em minha e tua pele ardia
o calor que irradia
do pai, quase ao nosso alcance.
Tive a chance de sentir,
rolando pelo meu rosto,
as minhas, as tuas lágrimas
pela merecida Glória.


Mas sei que há tempo para os sonhos
e tempo para conquistar os sonhos.
É no momento da conquista que ora me encontro,
olhando o horizonte, agora tão distante...
E se meus olhos se enchem de lágrimas,
já não é a ardente Glória o que sinto,
mas um estranho sentimento,
espécie de saudade
de um mundo que ainda não construí.







Atena e Afrodite


Dentro de mim, de meu coração,
no ponto mais alto de meu próprio Olimpo,
vislumbro o vulto de duas Deusas


Longe ambas estão do alcance de minhas mãos,
rudes mãos, distantes do ideal feminino.
Porém, meus olhos ousam ir bem mais além,
e descobrir, oculto num daqueles vultos,
o claro e inconfundível perfil da Deusa Atena.


Ainda que imperfeita, sei que essa visão
produz em minha vida um poderoso efeito:
Atena está comigo quando me levanto,
à frente, em minhas batalhas, dando-me o alento,
alerta, em meus sonhos, sempre que me deito.


Graças, Grande Deusa, por tua Presença,
pois tua inspiração e tua Sabedoria
concede-me a energia que me movimenta.


Porém, há algo oculto em minha natureza,
virtude que faz par com a Sabedoria.
Um vulto permanece em sombras, sobre o Olimpo,
e, em meio à escuridão, pressinto sua Beleza.


Oh Deusa Velada, que és objeto
de anseio e temor, a um mesmo tempo,
qual véu ainda esconde de mim o teu rosto?


Como a antítese de uma Penélope,
em algum canto escuro, dentro do meu mundo,
ocupo-me em tecer, através da noite,
o véu que te oculta, e depois, com zelo,
dispendo meu dia a tentar desfazê-lo !


A razão é que, confusa, sirvo a dois senhores,
e a voz de um deles, forte e poderosa,
incita-me a não ver a Deusa Misteriosa.




Contudo, eu sei que, por mais que o conteste
a voz tão potente dos Amos da Terra,
em mim Ela vive, sinto seus sinais.


Mas vejo que é chegado, para mim, o momento
de não mais conviver com esse silêncio, esse segredo
que sempre foi e é fonte de dor e sofrimento.


Por isso, aqui, nesse preciso instante,
desde os pés da montanha, onde me encontro,
ergo minha voz e te envio meu apelo:
vem, ó Deusa, volta-me teu rosto,
abre meus olhos para que eu te veja,
vem ao meu coração, para que eu te entenda,
transmuta-me, enfim, para que eu seja,
mais que a mulher, a verdadeira Dama,
digna de ter, no mais íntimo do meu Ser,
um Olimpo habitado por duas Deusas.






CANÇÃO AO VALOR




Talvez mais do que eu possa explicar
em termos tão banais,
certeza sem palavras,
mensagem sem sinais...


Mas é tão forte a emoção
de a algo assim servir...
Só quem guarda a resposta é o coração.


Sinto fluir harmonia,
percebo o som, a voz,
a nota que vibra em mim
e a melodia em nós,


o que nos une é algo mais,
é algo muito além,
que faz os dias nunca serem iguais...




Aventura, assim é viver...
Som de aço, espadas, posso ao longe ouvir...
A grande luta, o bem, o mal, eu posso vislumbrar,
e quão pequeno eu sou, eu sei,
mas não vou recuar...


Tu que marchas ao meu lado,
que tantas vezes vi,
as vezes que caíste
e as vezes que caí


mas, se de pé estás, o Sol
e a Terra hão de ver
que era um Homem o ser que aqui passou.






CAMELOT
(canção)


Uma terra, um reino, suma inspiração,
surgem damas, cavalheiros, Honra e Poder...


Sei que, um dia, esse sonho viveu entre nós
e agora, caberá a nós que volte a viver...


Cada nova manhã, ao ver o Sol nascer,
uma voz me diz:
vive Camelot!


Até posso escutar seu nome a ecoar
em meu coração,
vive Camelot!


Aqui estou
a te buscar...
Vive, vive,
vive Camelot!


Se vivo estou,
tu viverás...
Vive, vive,
vive Camelot!


Habita em nós,
sê nossa voz...
Vive, vive,
vive Camelot!


Onde eu estiver,
tu estarás...
Vive, vive,
vive Camelot!






A COR E AS CINZAS






Pobre homem preso,
inerte e envolvido
por um espesso cortinado,
cinzento manto
que marca os limites de seu mundo.


Pobre homem só,
tão frágil e oscilante,
reflete, qual um espelho,
o cinza que há à sua volta
no que pensa e no que sente.


Pobre homem que crê
que o homem é só foz e não fonte,
onde desemboca o cinza
e não nasce o luminoso
e nem germina o brilhante.


Colorido pelo meio,
sentido ao invés de sentir,
pensado ao invés de pensar,
jamais ousa imaginar
que a cortina, sua muralha,
é só tênue e efêmero tecido.


Quem ousa dizer ao homem-cinza
que há cor atrás da cortina?


Não! contesta, de pronto,
nosso opaco semi-homem,
ávido em defender
sua pálida meia-vida.


Não! ecoa em uníssono
uma multidão cinzenta,
patética, padronizada,
para quem ecoar é mais fácil que escolher.


Respondem, ecoam e dão as costas
para a vida por trás da cortina,
e voltam a lutar entre si por migalhas
e voltam a trocar entre si sentimentos
sombrios e cinzentos.


Graças dão, os homens despertos,
porque a verdade nada deve à opinião da humanidade
e, por muitos que sejam os homens-cinza,
explode em luz e cor a Vida,
rompendo todos os limites,
rasgando todas as cortinas
daqueles que a querem ver.


Graças damos nós ao Universo,
pois existem, enfim, homens despertos,
e nem tudo está cinza e perdido.








RESGATE


No ouro de um céu de poente, desponta o guerreiro.
Seu passo, seu porte demonstram vontade e valor.
No alto da torre imponente, desperta a princesa,
desliza suave e embeleza o mundo ao redor.


Dragões e serpentes em fuga ante aquela espada,
pois nada que aqui se conhece a poderá deter.
No alto da torre, tremula o estandarte da Dama,
que ama e inspira aquele que avança com arte.


Mas soa ao relógio a hora fatal: fim do sonho!
O arremesso brusco em um mundo escuro e mudo
leva à desonra o herói, banido e desarmado,
sozinho e sem sentido,
enquanto edifícios são erguidos
frente ao pôr do sol dourado
que já não alcanço ver.
É o fim da infância, hora de crescer.


Agora, gente grande...
e nunca tão pequena.
Agora, com “poder”,
e nunca tão impotente.
Agora, indigente,
num mundo sem nobreza.
Agora, sem princesas,
Agora, sem poente.


Um dia, vagando à toa por mais de mil luas,
num tempo vazio que parte do nada até o nada,
curvada e abatida, buscando algum sonho na rua,
levanto meus olhos e vejo que é dia ainda,
e o sol me revela em segredo que estive enganada.


Em sua longa caminhada,
vira vivos, em degredo,
o guerreiro valoroso
e a princesa encantada.


Inicia, então, a operação de resgate,
minha busca incessante,
nos abismos mais profundos,
nos quatro cantos do mundo,
nos recantos mais escuros,
além de grades e muros,
por planícies, mares, serras,
chegando aos limites, enfim:
subindo ao mais alto da Terra,
descendo bem dentro de mim.


Diante do espelho, encontrei, certo dia, o guerreiro.
Sua Alma-princesa acenava da torre distante,
marcando seu horizonte,
levando-o adiante.


Meu sonho, agora conquistado, tem peso, tem vida,
e já não irá, sem combate, ser morto ou roubado.
Cumprido o resgate, uni as duas pontas da vida,
e agora, da estrada construída, contemplo o outro lado.
Diante de meus olhos, com cantos e sorrisos,
dança, livre, livre, a minha criança,
nos campos floridos, frutos das sementes que ousei cultivar.






Hino a Helena Blavatsky






Surge, da noite dos tempos, uma Dama,
porta a Chama e a reaviva entre nós,
elo de uma corrente que desce desde os céus...


Ao nos verem, em meio à escuridão, os Deuses nos legaram um nobre Elo: Helena.
Ao te ver, minha Alma se erguerá e tomarei teus sonhos em minhas mãos...


Tudo que sei, aprendi em meio às flores
que empenhaste tua vida em reunir.
A missão recebida cumpriste com valor.


Faz que sejam tuas as minhas mãos
para plantar no mundo novas flores, Helena,
e manter acesa tua chama que arde e ilumina meu coração






BUSCAI A GOTA D’ÁGUA
(canção)


Uma única gota d’água prova
a existência do Oceano, assim
como um único homem
prova a existência de Deus”
HPB


Buscai a gota d’água, buscai a Deus,
semente do Oceano, buscai a Deus...
Tu verás, o seu frescor
os desertos do mundo umedecerá


Pois basta uma só gota e nada mais,
e a verdadeira água irá saciar
toda a sede dos rios do mundo
e em busca do Oceano eles correrão.








O Homem Velho


Pobre do homem num mundo sem Deus!
Perplexo diante do paradoxo e da fatalidade,
pobre e patético homem,
caminhando sozinho em direção ao inevitável,
fingindo ser eterno, sem crer na Eternidade.


Habita uma terra inerte e muda;
tomando seus frutos, destrói, dilapida.
Vaidoso e arrogante, este que sê crê
o único ser a desfrutar da vida.


Não menos cruel ele é entre humanos,
somente com os seus é capaz de dispor
de um pouco de afeto, atenção e respeito,
talvez mais por posse do que por amor.


Como pode ignorar o evidente,
de que linhagens, posse e parentesco
traduzem-se em pó na linguagem do tempo,


partículas soltas nas mãos da Natureza,
que já não guarda afinidades ou sobrenomes
nem reconhece ancestrais ou descendentes?


A sua crença numa superioridade,
numa real e intrínseca diferença
graças à vestimenta que ora usa,
opõe-no ao mundo, como um desafio.


Suas crenças valem mais que quaisquer crenças,
suas cores, mais que as cores da Verdade,
sem ver que, a um canto, já falha o tecido,
a mão de Cronos a puxar-lhe o fio.


As obras que saem de suas mãos frias
voltam a elas, avolumadas materialmente,
mesmo que ao custo de, em seu percurso,
deixarem tantas mãos feridas e vazias.


A principal obra do homem
já não é a construção do Homem,
pois o homem já não reconhece o Homem,
e nem sequer supõe sua existência.


Solto e sozinho, num mundo casual e injusto,
está desprotegido como uma criança.
Eis, entre nós, um homem realmente velho:
mortos os sonhos, morta a esperança.


Mas eis que se ergue o ancião e abre a janela,
deixando entrar, então, a luz do dia,
e, a despeito das leis da entropia
que regem este mundo plano e linear,


onde toca a luz, tudo transmuta,
o que parecia caos, em harmonia,
o desrespeito e o egoísmo, em cortesia,
o homem velho, num ser que já não tem idade.


Percebe, então, a sutil realidade:
o verdadeiro Ser supera idades
e paira, etéreo e livre, sob a luz,
e é dele mesmo, enfim, que ela irradia.






VIAJANTE A ESMO




Como um viajante que, perdido,
pára, de repente, em meio à estrada,
vê que já não lembra de mais nada...
dessa viagem...qual o seu sentido?


Assim passa sua vida a humanidade,
assim também seguia o meu caminho,
sem jamais lembrar de minhas origens,
sem reconhecer o meu destino,
sem compreender o que é o Divino,
solto, a esmo, amargo e sozinho.


Árdua opção aleatória...
Árdua forma de escrever tua história
esta de marchar de olhos vendados
pela ignorância e o egoísmo.


Podes prosseguir rumo a outro passo,
mas é com pesar que me despeço,
sem certeza que outra vez te veja,
pois podes estar frente ao abismo.






Geração redentora






Renascer das águas turvas,
branco e puro como o Lótus
Saber ver, em meio à névoa,
indícios da luz que os espera.
Saber ver, em pleno inverno,
indícios de primavera.


Estar de pé perante a tempestade,
resistir à dor e ao sofrimento
e estender os braços no momento
em que tombam os sonhos de alguém.


Por amor, nos faremos presentes.


Pelos jovens que catam esperanças
no meio dos escombros e do caos,
ansiosos em montar quebra-cabeças
em que sabemos faltarem tantas peças...
Perdidos em pleno labirinto,
sem bússolas ou discernimento,
vivendo sem provar da vida,
tomando a direção que os leva o vento...
Ante tanta angústia e desalento,
quem de nós se negará à sua missão?


Por eles, somos, então, e sempre seremos
uma geração redentora.






HUMILDADE




Preciso aprender a ser mais humilde.
Dar a minha humilde contribuição.
Carregar o humilde grão que florescerá, um dia, na colheita grandiosa.
Colheita que trará à luz a grandeza oculta na humildade.
Pois dele nasce tudo o que, um dia, germinará,
mostrando-se à Terra como nobre e valoroso.
Se não porto o grão que me cabe,
caindo na inércia, em meu delírio de vaidade,
quem transportará o grão ?
Quem fecundará o ventre da Terra, para que a colheita surja, radiante ?
Haverá, por acaso, maior grandeza no fruto do que na semente ?
A Lei Universal da Necessidade, que os irmana, dirá que não.
Apenas os separa uma ilusão, nossa enganosa ilusão do tempo.
Que mérito haverá, se cabe a mim o grão,
querer que outros vejam em mim o fruto que não tenho,
pois o tempo de frutificar não é o meu tempo,
nem é minha a doçura e a plenitude realizada do fruto,
mas apenas a simplicidade e a promessa do grão ?
A grandeza do grão é a que me cabe.
A potência discreta e calada, insuspeita até, de uma colheita generosa.
A paciência e a resistência à adversidade, guardando o segredo e a magia da vida.
Aos Deuses e aos Mestres, peço que semeiem
nessa terra fértil, que é meu coração,
o poder da humildade, que constitui, precisamente,
a grandeza do grão.








PRIMAVERA ETERNA
(canção)






Era uma vez um tempo especial
em que tudo sob o sol era primavera,
pois cada ser
que aqui viveu
era claro, belo e multicor
pois trazia a alma em flor...


Um dia, o céu passou às nossas mãos
a missão de cultivar preciosas sementes
dentro de nós,
para, um dia, após,
com trabalho e amor,
conquistar, enfim,
primavera eterna em mim...




Mas eis que a terra secou por não haver cultivo,
e agora, a nós caberá
despertar a Terra.


Como um Sol
que bane a escuridão,
é nossa missão fazer
renascer a luz,
e é só assim
que, um dia, enfim,
já proclamaremos, numa só voz,
primavera eterna em nós...






A um Mestre que me falou sobre o Discipulado


A Michel Echenique






Sei que hoje aprendi contigo
a Ser, Pertencer.
Hoje sei que irei contigo aonde quer que tu vás...
Força que une o Universo e transborda sobre nós,
vozes de um mundo de mistério e luz
que ecoam em tua voz.






No silêncio, sinto teus passos,
só me basta seguir.
Por mistério, sei que obedeço ao Ser que habita em mim.
Em que instante a eternidade se abriu aos nossos pés,
qual dois momentos de um mesmo ser,
sei quem sou eu, sei quem tu és.
Sinto que tu me elevas ao plano onde estás;
qual magia, estou por momentos onde um dia estarei.
Abre-me as portas do Sagrado,
que, em tuas mãos, posso entrever
a chama que nos tornará, enfim,
nada além de um único Ser...








Pequena Canção à Grande Mãe






Tão pura e simples alegria que vem do amor...
Tão forte e poderosa alegria que vem do amor...
Se o tenho comigo,
vejo o mundo por aquele ângulo,
aquela lente da Natureza
onde tudo é beleza,
ou potencial de beleza
à espera de uma ação amorosa
que o reconduza ao seu caminho.
Aí encontro Tua obra, Grande Mãe;
aí encontro meu lugar como mulher.
Exato lugar do Universo,
minuciosa tarefa
de quem combina ingredientes
na poção mágica e divina
que resultará em vida e energia.


Abro meu coração, Grande Mãe,
para aprender com as coisas simples e pequenas
a fazer do meu romantismo
a transmutar minha sensualidade
em uma grande História de Amor pela Humanidade.


Quero que meu dom de gerar e
entregar-me à minha criação
não se realize como a doação egoísta a um único ser,
mas seja a busca abnegada e persistente do Ser.


A habilidade e a paciência para educar e ver crescer,
A doçura e a firmeza para conduzir,
a harmonia e a beleza que hão de vir
enquanto eu caminhar,
tudo isso coloco ao teu Serviço, Grande Mãe,
em teu trabalho de resgate da nossa Humanidade.


Que eu saiba que a minha relação com o mundo
não é de posse, mas de amor.
Que eu saiba que jamais compreenderei aquilo que não amo.
Que nada saberei de mim, da mulher que sou, da Dama que serei,
senão ao contemplar o Teu Rosto composto de Amor, Grande Mãe,
que às vezes sinto quase poder ver,
cujo perfil posso delinear,
puro e cálido,
forte e vital
como um Raio de Sol
refletido
no rosto prateado da Lua.








Reencontro


A todos os meus amigos,
distribuídos em tantos
nomes e nacionalidades...






Eis-nos aqui novamente...
Frente ao palco rotativo
do velho teatro do mundo,
ressurgem antigos atores,
renovados, fortes, vivos.


Atendendo ao chamado da Vida,
estamos no palco de novo.
Vemos, em nossos abraços,
novos corpos que enlaçam
almas velhas conhecidas.
Olhares tão familiares
estampam-se novamente
em faces rejuvenescidas...
Eis-nos de novo em cena!


Voltando a narrar grandes feitos,
voltando a entoar nossos cantos,
sentimos vibrar, em cada peito,
o clarim de nosso Clã...


Nosso laço ancestral,
laço de “sangue espiritual”
que já correu tantas veias,
que já ferveu ante a Glória,
renovado sobre a Terra,
acorre ao chamado da História
e aguarda, ante o Portal,
de prontidão e presente.


Antes que soe a hora
de voltar aos bastidores,
com as nossas almas limpas
e nossas missões cumpridas,
e não reste, na memória
desses marcantes momentos
mais que um vago sentimento,
Queria dizer-vos agora
que honra é estar entre vós !


Compartilhar, lado a lado,
a cada novo início,
nossos cantos e sorrisos,
nosso esforço e sacrifício...
Flutuar sobre os abismos
atraídos para cima
por misterioso magnetismo...
Uma grandiosa saga
que não se vive a sós.
Quão nobre é compor vossa estirpe,
Aprendizes de heróis!












Canção a Ísis




Minha alma toda se derrama em azul...
Todo o Universo se transforma em azul...
Grande Mãe, eis que aqui estás,
Ísis, Ísis, vem ao teu altar...


Terra e Céu proclamam tua presença entre nós,
luzes do sagrado vêm rompendo a escuridão...
Grande Mãe, venho te ofertar
Ísis, Ísis, o meu coração.


Eis que soa o tempo de ocupares teu lugar,
chegado é o momento de poder te abrigar...
Grande Mãe, vem estar, então,
Ísis, Ísis, em meu coração.










TERRA MATER




Ó Grande Mãe, teu é o dom da vida,
nave terrena que minha alma habita,
divina dádiva que a navegar incita
os homens rumo à Terra Prometida


Em ti é que meus sonhos tomam forma,
que abro caminhos, ergo meus castelos;
por tudo isso é que busco, ó Mater,
tornar-te palco do Nobre e do Belo.


Quando desperta em mim a alma que porto
e faço jus, enfim, à tua herança,
faze-me mãe, também, trazendo à luz
homens que vagam em vão, sem esperança.


Magia antiga, divina Alquimia,
Doação, justiça, amor-sabedoria
são ingredientes dessa poção materna,
a um tempo, amarga e doce, dura e terna.


És minha inspiração e, por onde ande,
sobre teus passos farei minha trilha,
que me permitirá, mais que tua filha,
ser a pequena mãe de Homens Grandes.








À ARTÊMIS




Diante do fogo que brilha no meio da noite,
eu busco encontrar tua Face, ó Deusa Diana.
Qual a Luz do Dia, Sem Pólos, Eterna e Radiante,
de igual natureza é a Deusa, Noturna e Arredia.


No meio das trevas, relembras o gêmeo Apolo,
és Luz presa ao barro da tênue e fugaz lamparina.
és Lua, mensagem do Sol que, em meio à penumbra,
deslumbra com a forma brilhante, sutil, feminina.


Ó Virgem que aplacas e animas a informe matéria,
aquela que se desintegra quando tu te afastas
e que se organiza se dela tu te aproximas.
Contudo, apesar do pulsar deste eterno contato,
és Virgem, e desta Matéria não te contaminas.


Além do que nasce e do que se destrói, permaneces,
pois Zeus concedeu-te a eterna pureza intocável.
Mas, mesmo intocável, de dentro de mim, Tu me aqueces...
És Chama Ardente no meio da noite tão fria.


Mas quando eu cessar de espelhar-me nas sombras da noite
e partir em busca de meu nome Oculto e Divino,
é ao teu encontro que irei, certamente, Diana,
Ó Ígnea Dama, Ó Deusa Irmã-Luz do Dia.






CANÇÃO A CERES




Eis que a terra se abre para ti,
eis que as tuas sementes brotam em nós...
E cada recanto do meu ser
se abre em flor ao som de tua voz...




Eis que teu amor chegou a nós
em forma de fruto e de calor,
derretendo o gelo em nossos corações,
combatendo a fome, o frio, a dor...




Ceres, Ceres, Grande Mãe de Amor
Ceres, Ceres, Grande Mãe de Amor
Ceres, Ceres, Grande Mãe de Amor
Ceres, Ceres, Grande Mãe de Amor








APELO DE DEMÉTER AOS HOMENS




Que mais posso te dar,
mais que o doce sabor
mais que as suaves cores
dos frutos e das flores que nos traz a terra?
Que mais posso fazer,
quando vais entender
que tu és muito mais que um filho da Terra?


Vagando sobre um solo seco e sem vida,
só um toque do divino vem te resgatar.
Não negues teu destino, encontra teu lugar
busca a fonte de Vida que permitirá
que tu floresças sobre a Terra eternamente.






LAMENTO DE DEMÉTER POR PERSÉFONE




Sombras que avançam sobre minha criação,
trevas que mantêm cativo meu mais precioso fruto,
nada mais direi, não mais clamarei,
pois sei que é chegado vosso tempo.
Só me calarei
e esperarei,
pois sei que nada é tão forte,
nem a vontade de Zeus,
nem o desejo dos Homens,
que faça com que o filho da Luz
permaneça eternamente nas sombras.


Vive, minha filha, tua saga,
desperta teu valor e coragem,
domina a escuridão,
vence o torpor e o esquecimento,
mostra de onde vieste
e volta ao seio da mãe que te espera.
Luta, minha filha, contra a noite
que quer te envolver
cegar e devorar,
pois ignora que tua natureza divina
jamais se mesclará à dela,
qual se nega ao torpe e denso óleo
a água pura e cristalina.


Ouve , minha filha, ouve
a Voz Divina que te chama.
Volta, minha filha, volta
aos braços da Mãe que te ama.












A Voz da Mestra
À Luzia Helena de Oliveira


O sonho que nos mostra a voz da Mestra
todas nós também sonhamos algum dia.
Porém, será que alguma, dentre nós,
sem o comando firme de sua voz,
seria capaz da maior ousadia
de viver sonhos, de transformar sonhos
em algo tão plausível e real...
De erguer, com cada sonho, um degrau
daquela escada, em azul e prata,
que nos permite ir ao firmamento
e abrir passagem à luz de um novo dia?


Pois não foi mais que ao som de sua voz,
serena voz da nossa Mestra Helena,
que pôde irradiar, por sobre nós,
a luz daquela estrela que Luzia.














Diante de uma Dama


A Délia Steinberg Guzmán


Diante de uma Dama,
perfilei o meu corpo
e abri bem os olhos
para ver quão complexo
e de extremo requinte
pode ser o que é simples.


Diante de uma Dama,
impostei minha alma
e fechei os ouvidos
aos ruídos do mundo
para ouvir a harmonia
delicada e rara
de uma voz que me fala
coisas tão naturais.


Murmúrio de um rio, essa Dama,
de água límpida e cristalina.
Pura poesia, essa Dama,
lirismo de amor e alegria.


Canção de um pássaro ao longe,
com timbre suave e profundo.
Fluidez do vento nos campos,
rompendo a inércia do mundo.


É fio cortante de espada,
temperada em tantas guerras.
É firmeza não abalada
de rocha, no eixo da Terra.


Fortaleza que se assenta
numa segurança plena,
seu poder se apresenta
de forma doce e serena.


Se existe, entre os pólos, estrada
que extingue a dualidade.
Se existe, no mundo, verdade
que arde, qual mística chama.
Se há, na vida, um sentido
que está para além dos sentidos,
porém claro ao coração
do buscador que o reclama...


Tudo isso, qual canção,
ecoou em meus ouvidos
graças a, um dia, ter estado
na presença de uma Dama.












As estrelas e o tempo








Um Mestre me disse, um dia, que estrelas cintilam
porque são lembranças de um tempo passado e distante.
Cintilam, qual vaga memória de um remoto instante.
Porém, quando as vejo, essa noite, são puro presente.


Mas nesse momento, talvez, sua origem distante,
vivendo um presente que ainda, para nós, é futuro,
já esteja envolta no escuro da extinção e morte,
futuro que, neste instante, lá longe, já existe.


Viajando entre estrelas, a bordo da barca celeste,
mistérios de Cronos parecem-me um enigma insano...
Em meio a ondas que vão e que vêm novamente,
pretendo reter no presente a visão do Oceano !


Presente, passado, futuro: ilusão ou verdade?


Se aquilo que foi e será, não os tenho comigo,
e o fugaz presente, não posso retê-lo um minuto,
onde é que reside a Luz, seu eterno abrigo,
de onde alcança a terra, gerando seus frutos?


Um Mestre me disse, um dia, que os Mestres são pontes,
levando a Estrelas que pairam acima do tempo
e, nesse momento, nasceu, para mim, no horizonte,
a Estrela de brilho sem igual, Ideal, persistente.


Vencendo o fugaz, essa voz será sempre lembrada,
por me permitir perceber o poder permanente
da Fonte de Luz que gerou todas as alvoradas
oculta entre as sombras que criam a ilusão do poente.








Poesia Taoísta




Trago um poema rumo à luz do dia
com a inspiração deste eterno Ancião
que, junto ao TAO, percebia a Criação
brotar na Terra qual grande Poesia.


Ergo minha mão invisível ao mundo
onde reside a matriz da matéria
e, com cuidado, mas com decisão,
posso apreender a idéia etérea.


Solto no mundo o que a mão encerra.
Toda atenção há de ter com a Beleza
por não ferir sua sutil natureza
com essas mãos, ainda sujas de terra


Vai meu poema, ao teu destino,
habita a forma com que te envolvi
qual rude barca que, rumo ao porto,
oculta um carregamento divino.


Com rumo certo, maneja os ventos,
ancestral arte das embarcações.
Roçam tua nave, por toda a parte,
inquietações, anseios, tormentos.


Não te atarei junto a mim, meu poema.
Se te desejo, deformo ao que visas,
e já não és o que fostes, pura Luz,
mas projeção de minha sombra imprecisa.


Quero que fluas por mim, poesia,
manancial, na Terra a derramar-te.
Sedenta e seca, ela espera por ti,
e eis a essência Taoísta da Arte.


Não és jamais a expressão de um desejo,
mas és resposta a uma necessidade.
Não és nem fostes a Arte pela Arte,
pois que és a Arte pela Humanidade.












PRUDÊNCIA




Domina a fúria que impulsiona
a insensatez no tom de tua voz.
Refreia o ímpeto e a inconsciência
da expressão dura, do olhar atroz.


Tempera a voz em tua voz interna,
banhada em águas do coração.
Deixa que surja, purificada,
melodiosa como canção.


Lembra do Mestre, em tempo remoto,
coração reto qual labareda,
que, com leveza, tocava o solo,
andando sobre um papel de seda.


Não deixa marca que fragmente,
ou que divida, qual alameda.
Cultiva o prado de teu caminho
pisando leve o papel de seda.


Não busque o solo que te sustente,
a base falsa que arremeda
uma verdade que não existe,
que dilacera o papel de seda.


Preso ao celeste, vê que flutuas,
livre do peso, pelo espaço.
Passos de seda, mostram que a tua
é uma vontade forjada em aço.










VOTOS




Aqui me posto ante teu berço
de homem-lótus, recém-desperto.
Faço meus votos por teu destino,
vôo de águia a céu aberto.


Que haja saga, que vibre o sangue,
e que teus sonhos apenas somem
não aos prazeres que o homem prova,
mas às virtudes que provam o Homem.


Que a vida vaga, vã e inerte
em puro ardor seja convertida,
por tudo aquilo que a Vida verte,
e não àquilo que inverte a vida.


Que pises forte, que tenhas fibra,
e que teus frutos sejam entregues
jamais às sombras que cegam a alma,
mas sempre às luzes que a Alma segue.


Faz a oferta de teu esforço
toda vitória e a vida em si,
pois toda a obra que de ti nasce
é dos que nascem através de ti.


Se o tempo esgota e pouco te sobra,
e, por apego, temas, resistas,
liberta a obra, qual nobre artista...
Vê que és o artista e a própria obra.
















NATUREZA HUMANA




Eu queria a força e a coragem dos Homens,
discernimento que sabe dosar
dureza e doçura,
na justa medida.
Eu queria a grandeza dos Homens
que medem seu porte
não pela dimensão física de seus corpos,
mas pela estatura de suas almas,
que se erguem, grandiosas, rumo aos céus.
Queria a única liberdade possível,
a dos Homens,
de correr na direção certa, pela trilha da Lei,
braço de Deus estendido sobre o Cosmos.
Queria a vida plena e pura dos Homens-lótus,
que emergem da lama
e purificam-se pelo poder da Vontade.
E queria a paz dos guerreiros,
vigilância atenta, tensão da vida
que não prescinde de princípios
por apenas sobreviver.
Queria o silêncio dos Mestres,
palavra justa na hora precisa,
pura alquimia que engendra Homens,
que forja Reis.


E não apenas queria, mas quero,
pois, graças à harmonia e ao mistério
desse grandioso Universo,
Homem é o que me cabe ser.










AO SOL




Trilhas num céu aberto em mil cores,
jogo de luz de um porte imponente,
forte matiz num prenúncio de morte,
é o Pai que parte, formando o poente.


Maior prodígio, harmonia e arte,
sugere sons de um celestial hino.
Como é possível, Pai, que, ao contemplar-te,
não se erga em mim a visão do Divino ?


Se a pegada corresponde ao porte
daquele agora ausente caminhante,
quando te vais, teu rastro é qual corte,
lança de luz que penetra o horizonte.


Quão melancólica é tua despedida...
teus raios-braços retiram-se, lentos.
Descem as trevas, então, cujos traços
tingem as ações, emoções, pensamentos...


Se sou teu filho, como o pressinto,
dentro de mim deve haver luz ainda...
Dias virão que, ante o fogo extinto,
essa tua luz voltará a ser bem-vinda.


Guardiões do fogo na noite sombria,
vamos cruzar esta fria madrugada
e, enfim, tocar o clarim que anuncia
quão iminente é a tua chegada.


Possa teu cíclico amor-sacrifício
moldar o mundo ao mistério da vida.
Seja tua luz, entre nós, convertida
em novos homens, em um novo início...












MAIS UMA VEZ À BELEZA...




O que faz com que o vento sacuda as árvores e arremesse suas sementes ao ar, girando alegremente suas hélices, buscando um novo lugar ?
O que faz com que as crianças possam ser tão belas, graciosas e puras ?
De onde vem aquele ar delicado das manhãs, úmido de orvalho, repleto de revoadas de passarinhos, eufóricos e barulhentos?
E aquela sinfonia de cigarras numa tarde de primavera, quando os caminhos se enchem de mamães empurrando carrinhos e de pequenos que retornam para casa, ainda com seus uniformes escolares, numa ruidosa explosão de alegria ?
E o olhar do cãozinho, esgotado de correria, arfante, pura felicidade pelo simples fato de existir?
Será demasiado pensar que cada momento de beleza é eterno? Morrem os corpos que a refletem, mas como poderia morrer a beleza ?
Onde estará a fonte dessa senhora tão desejada, cantada em prosa e versos que ousam querer retê-la ? Poderia beber dessa fonte para eternizar alguma beleza em mim ? Como pode ser que haja vida sem que haja beleza?
Tantas perguntas, e ela, fugidia e calada. Meu coração, à sua presença, torna-se tão pleno que, sem dúvida, alguma coisa dela em mim permanece.
Cálida beleza, senhora das manhãs, das canções e das flores, musa inspiradora dos heróis, artistas e crianças...o sabor de plenitude que me dás antecipa a glória e o gosto do dia em que estarei em teu mundo e enfim verei o teu rosto.










CANTO À JUSTIÇA FUTURA


Não posso evitar que diante da dor,
a terrível dor da humanidade,
meu peito pareça, por vezes,
explodir de dor e impotência
por não poder aportar com tua presença entre os homens.


Se pudesse, empenharia meu sangue
e cada célula deste corpo para te trazer ao mundo,
deste corpo que nem sequer me pertence,
e nem é nele que mais se verte a dor de tua ausência.


Se necessário fosse, desaguaria minha alma em lágrimas,
mas lágrimas, já as temos tantas
que quase afogamos, em redemoinhos de uma dor cega,
que gira sobre si mesma, sem encontrar a saída.


És mistério, és enigma,
um velho Mestre dizia
que és ordem e harmonia.
Seja lá o que fores, senhora Justiça,
saiba que a ânsia por ti seca as vidas
e esteriliza as esperanças entre nós.


Somos pobre raça de mortais,
mortais por opção,
vagando em desordem,
arrastando-nos em andrajos,
sacralizando a miséria,
ferindo-nos torpemente.


Porém, algum lábio há de achar
a sílaba sagrada.
Uma voz há de emitir
a palavra transcendente
que te encarnará entre nós,
que irá te evocar novamente,
Eterna Deusa em nova morada.


Dói-me tanto não ter esse nome,
não ter podido conquistá-lo,
pois, talvez, alguns entre nós
já não possam mais esperar...


Há desespero nos olhos
e tanta dor pelo mundo,
mas esse esboço de apelo
fenece, afônico, mudo.


Os lábios não exprimem o que o coração conhece,
o calor da evidência da tua presença não aquece a voz.
Mas, curto ou longo, esse trajeto há de ser cumprido,
e alguém dará à luz o Nome tão esperado.


Aguardemos, não sem alguma inevitável ansiedade.
Mas, seja como for, quero que saibas que, ao chegares,
celebrarei minha alegria aos quatro cantos do mundo,
farei intermináveis cantos em teu nome,
dançarei à tua volta até quedar-me extenuada,
pois o tempo será Eterno, e a vida será Glória.
E as cinzas dos nossos corpos
e o fogo de nossas almas,
num amálgama perfeito,
serão o pavimento
sobre o qual erguerás a nova História.










PADRÃO INFINITO


O artista, em guarda, parece o sopro do vento,
Dharma em movimento, que não poderá ser restrito.
Leveza que assim se desloca, sem força ou atrito.
É luta tornada em beleza em seu coroamento.


É vento, e o destino do vento é não estar prisioneiro...
É vácuo e matéria que ocupa todos os espaços.
É fluxo infinito, impalpável, eficaz, ligeiro,
o artista que serve à Lei e descansa em seus braços.


O artista parece sozinho, exercendo sua arte.
Dual e unitário, mistério em ação é o artista.
Segredo, ele aguça os ouvidos e apura a vista,
que, enfim, se apercebe que o Artista está em toda parte.








RUMO AO HERÓI (CANÇÃO)
Melodia de Tyago Amorim






De seu, nada mais que os raios do Sol
que se abrem, grandiosos, aos passos do herói.
E o ar que aspira, com certeza puro,
como tudo aquilo que habita em seu peito,
eis o herói.


Não mais em suas mãos que um punhado de terra e o compromisso com um sonho perfeito,
com a trilha que abre rumo a um futuro pelo qual combate a mais nobre das guerras.


Seu nome interno o torna seguro, pois, em qualquer tempo, estará a serviço
daquele sagrado e nobre compromisso que o torna invencível, sereno, eterno...




Despertai, senhores, para o chamado do herói
a cada esquina dessas nossas vidas.
Eis, a um tempo, nossa saga e sina,
o herói que se levanta e cobra seu espaço
e vive em nós.


O herói que se encaminha com a segurança
do guerreiro que serve à eterna Lei.
A Lei em cujo nome eu combato agora,
a Lei em cujo nome eu sei que sempre encontrarei
um lar por meu corpo,
um altar por meus Sonhos,
um Rei...








PRIMORDIAL PRESENÇA


Ao meu Mestre Luís Carlos


Talvez o tempo passasse
sem grandes inquietações;
talvez a vida se fosse
sem que eu nunca despertasse.


Talvez os sonhos morressem
como meras ilusões.
Talvez eu ouvisse canções
sem que jamais as cantasse.


Pois, entre a vaga teoria
e o peso brutal da matéria,
teria de erguer uma ponte;
com que forças o faria?


Quando te vi, junto à terra,
fazer do trabalho uma prece,
trazendo idéias de um mundo
que essa Terra desconhece...


Quando te vi trazer brilho
ao que opaco e inerte estava,
vi que em ti havia Vida,
e Vida era o que eu buscava.


Vi velhos e novos mundos
e infindáveis horizontes.
Ergui pontes sobre abismos
insondáveis e profundos.


Repeti teus movimentos,
harmônicos, ritmados.
Caminhando ao teu lado,
opus-me à fúria dos ventos.


Hoje, meus sonhos têm corpo,
seus rostos sorriem à minha volta.
Hoje, são tantas as metas
e o querer e o ousar é tanto,
que as canções que ouves em sonhos,
já que são nossos teus sonhos,
criam voz em nossas vidas
e enchem o ar com nossos cantos.






TRIPLO LOGOS






Diante da força dos homens que moldam o mundo,
ao ver o valor desses homens que criam seu mundo,
deixei-me contagiar pela grandeza de seus sonhos,
sem alcançar, porém, entender todo o valor do raio que me cabe,
pois só quem sabe do amor pode julgar o poder que ele detém.
Quem não sabe, julga-o frágil ferramenta
diante da forja de nossos irmãos construtores.
Quem não sabe o amor empunhar, julga-o pobre
em vista de nossos irmãos, que empunham a espada.


Mas nada que busca a luz permanece nas trevas.
Aquele que arde na ânsia ideal abre estradas,
sente o Sol sobre sua pele,
sente a luz que lhe aquece,
desperta a cada alvorada,
dialoga, enfim, com o Logos
latente dentro de si.


Assim, no logos do amor-sabedoria,
pude perceber, enfim,
o coração energético que pulsa em todos os peitos,
anima todos os corpos
e habita dentro de mim.


Vi o coração que se esconde
por trás da palavra coragem.
Vi a poderosa Vontade plasmar-se
em vontade de amar pela eternidade.


Ouvi, no pulsar dos martelos,
o ritmo do coração-amor,
da união que move a roda,
batizada em seu suor.


Ouvi o canto de nossos cavalheiros...
Ouvi-os louvar o amor
que os acende qual tocha na noite sombria.
Vi-os moldar, com amor,
o prana que paira no ar,
erguendo um novo sonho a cada dia.


As Damas também dão batalhas
em prol da mais nobre das causas.
Também sabem do suor,
tributo de sua energia
em aras de um sonho maior.
Mas, a bordo de sua barca,
munidas da mais pura prata,
para compor com esse corpo,
aportam com seu amor.


A prata é a pureza do branco
unida ao generoso brilho,
que nada retém de sua luz,
espargindo-a ao seu redor,
dando sempre o seu melhor,
qual a mãe faz com seus filhos.
Se pulsa o Coração da Dama,
eis nossa missão cumprida.
Pois, se pulsa o grande peito,
marcha o Corpo rumo à Glória,
as Mãos movem a roda da história
e o Homem Novo, enfim, ganha vida.








SEM RESERVAS




De toda a energia, doar
até o último fôlego.
A cada dia, marchar
até os pés do crepúsculo.
De cada flor, entregar
até a última pétala.
Pois que não há sentido
em querer, como nossa,
uma gota sequer
do néctar que alimenta a grande Vida.


De toda a dor, entregar
até a última lágrima.
De todo alento, doar
como fosse uma dívida.
Com todo o amor, fabricar
deste mais puro bálsamo,
que torna mais leve a caminhada,
malgrado todas as feridas.


De toda luz, vou portar
a menor de tuas lâmpadas.
De tua mão, vou tomar
não mais que um só átomo
que sacie minha sede
e me torne uma fonte
que fecunde esse vale
e dê um novo fôlego
aos que ascendem rumo ao horizonte.


Nada mais ansiar reter, por ilusão,
mais nada.
Só caminhar e alcançar sentir-me, então,
parte desta estrada.


Alçar vôo da mais alta montanha
e ousar ver, enfim,
a unidade daquilo que há em tudo
com aquilo que há em mim.


Esgotar de vez a lógica e o sentido
de um mundo cego,
que ousa dividir o infinito
entre aquilo que acredito
e aquilo que nego.


Levar à exaustão todo o recurso,
toda a razão,
que bloqueia o Grande Rio, em seu curso,
que separa a minha da tua mão.


Deixai, Senhor, que eu prove de teu cálice
na justa medida.
Não permiti, Senhor, que eu me embriague,
com tão forte vinho,
que já não entenda a Vida,
que já não veja o Caminho.


Sabeis que, em meu peito, há uma cifra,
uma mensagem.
Há que haver fôlego para entregá-la ao mundo
antes que chegue ao termo esta viagem.


Senhor, fazei com que meu nome seja Entrega,
sonhai comigo sem reservas, sem limites,
pois que tu sabes e, um dia, eu saberei,
que, sem dúvidas, serei
aquilo em que tu acredites.












PRIMAVERA




Na distante vez primeira,
depois de tão árdua espera,
que trouxeste a mim a vida,
ruidosa Primavera,
calorosa, colorida,
florida de tantas quimeras,
recebi-te, comovida,
explosão de cor e vida,
enchestes de sons meus ouvidos
e ouvi de tua voz quem tu eras.


Com tuas cores já vestida,
abriu-se, ante mim, outra era.
Com tua força, fiz-me inteira,
de fibra e de fé verdadeiras
eu fui, por tua Luz, investida.


Lancei minha vida em teus braços;
embalaste os meus sonhos,
sopraste, em meu coração,
a energia dos inícios,
propulsão que vence espaços,
razão que faz plena a alma,
não de ânsia aos doces frutos,
mas de amor e sacrifício.


Mas sabes da cíclica noite,
mas sabes que chega o inverno.
Já sabes que oscilam os passos
que trilham o caminho eterno.
Nem sempre a força é tamanha,
nem sempre é ativa a memória.
Às vezes, a noite é estranha,
sem cores, sem luzes, sem glória.


Mas eis que a tua energia
redime e resgata, qual ponte.
É dia, e eis que teu Raio Verde
ressurge, cruzando o horizonte.


Dou graças ao Ser que te envia
por tenacidade tamanha,
pois, com tua simples presença,
renova de cor e harmonia
e invade de Luz a cidade
que erguemos, no alto da montanha.










PARA OS QUE ME PRESENTEARAM FLORES




Impossível não amar as flores...
explosivamente belas,
abrem-se, enfim, sem reservas,
em doação absoluta.
Quem de nós não deve a elas,
um sorriso, um momento de vida?
Complexas, e, a um tempo, singelas,
entregam-se inteiras a um mundo
que ainda não sabe entendê-las,
que as nega, atropela e duvida.


Moradas temporárias da Beleza,
sois símbolos de sentimentos
que nenhuma palavra, gesto ou mesmo lágrima
ousaria dizer.
Vós sois parentes do Dia,
do Grande Dia da Alma,
que convida as almas obscuras
a amanhecer.


Misteriosos cantos mudos,
mensagem expressiva de um mundo
onde vale a pena ser belo,
ainda que por um só dia,
para presentear harmonia
a algo ou alguém que padece.
Ousaste acaso ouvir flores ?
Vozes doces que se vertem,
com humildade e serviço,
a uma mensagem divina,
despojadas de reservas,
de egoísmo ou vaidade.
Atentai, homens da Terra,
ao que vos sugerem as flores,
que, entre pétalas e aromas,
beleza e suavidade,
sussurram uma nobre verdade:
são vozes veementes de Deus.










ACEITAÇÃO




Abri hoje minha janela
diante de um mundo completo.
Brilhando com todas estrelas
às quais tenho dado passagem,
sombrio por todas as sombras
que de mim mesma projeto.


Modelo meu mundo perfeito
com o que julgo necessário.
Com águas correndo, em seus leitos,
por relevos bruscos, vários.
Atravessando mil vales,
lançando-se sobre as colinas,
invadindo suas margens
em enchentes repentinas.
Correndo, num ritmo insano,
marcando o relevo terrestre,
delineando paisagens,
sonhando com a paz do oceano.


Qual é a verdade do mundo
sem as formas que eu imponho?
Qual é a geografia do mundo
sem minhas sombras e minhas lutas?
Será tudo isso um sonho,
um delírio turbulento,
ou será, de fato, o mundo
feito em Luz Absoluta?


Se és Luz, Senhor do Mundo,
sei que eu também o sou.
Vejo apenas que tu és
Luz maior e mais potente.
Como irei, então, servir-te,
senão sendo transparente,
sob a terra, escura e inerte,
apenas pequena semente.
Centelha que, oculta no solo,
reflete a luz soberana,
e busca brotar à luz plena
que lhe aqueça e alimente.


De ti, Senhor, eu pressinto
que não esperas que eu seja
uma opaca afirmação,
opondo-me ao feixe de luzes,
lançando mil sombras no chão.
E não necessitas que eu meça
ou teça considerações
sobre a força dada ao vento
ou o ímpeto do oceano.
O que me cabe somente,
em vossa perfeita paisagem,
consiste em fluir, confiante,
neste vasto rio humano,
vencendo o relevo, à frente,
para que outros navegantes,
ao ligarem-se à corrente,
encontrem-no mais suave e plano.


Aceito as pedras sobre as quais me lanças,
as quedas bruscas em que me arremessas,
pois, apesar de toda dor e medo,
não perderei a força e a esperança.
E já vislumbro, ao longe, no futuro,
quanto serei mais cristalino e puro.
Com minha dor, arestas são polidas
e outras águas virão ao nosso encontro,
bem mais velozes, com menor atrito.
Para atraí-las, entoarei meus cantos
e, sobre as pedras, ouvirei seus gritos,
e somaremos as luzes e as vozes
para banharmos, juntas, o Infinito,
esse Oceano místico e profundo
onde repousas, oh Senhor do Mundo.












VIA AÉREA




No aeroporto, vejo uma criança
nos braços do pai.
Braços pendentes, tão segura e solta,
ela descansa.
Mas, de repente, eis que ela desperta,
e vem e vai,
e corre e dança.
Algumas vezes, o pequeno cai,
e então, o pai o ergue e socorre.
Secando as lágrimas, bem rápido se vai,
esquece a dor, e já de novo corre...
Apenas uma criança...


Assisto à dança que se repetia,
mas fez-se turva a minha visão
diante dessa curiosa coreografia...
Pois os meus olhos, imersos em lágrimas,
de tanta dor por correrias tantas
e tantas quedas em vão,
procuram, a esmo, um pai que as console
neste saguão.


Apertar cintos, partir adiante,
deixar para trás o chão e a paisagem conhecida.
Fechar os olhos e apenas planar,
partir em busca de recomeçar
uma outra vida.


De olhos fechados, imagino, então,
que o que, de fato, me eleva do chão
são os braços de meus Pais.
Braços seguros que me levam a um lar,
e, a mim, coubesse apenas flutuar
e nada mais..


Que assim seja, Senhor que me embala
hoje em teus braços.
Não levo mais que a confiança em ti
em minha mala.
Posso correr, dançar e rir até,
na mais completa segurança e fé,
pois vês tudo o que faço.
Nunca estarei distante o suficiente
para que não possas tomar-me, de repente,
e estreitar-me de novo entre teus braços.






Simplicidade








Minha mãe nunca deixou meus pés dormirem descobertos;
dizia que dava “friagem” e era gripe na certa.
Com essa teoria, preencheu minhas noites de infância
com o pontualíssimo ritual do puxa-cobertor,
sempre seguido de beijo e de “dorme com Deus”.
Meu pai andava com foto minha, entre outras, na carteira.
Puxava a qualquer ora, em todo canto,
até mesmo em fila de banco,
e dizia: “Tá vendo essa aqui? é minha menina.”


Minha vida esteve repleta de noites serenas,
nubladas, algumas, mas tantas cobertas de estrelas!
E, ao longo de tantas madrugadas,
raios tímidos e pálidos esgueiraram-se por minha janela
e, tocaram, suaves, meu rosto,
antecipando-se a uma aurora ainda mais bela.


Tantas vezes, tive que limpar meu rosto
de beijos de boquinhas lambuzadas.
Tantos cadernos cheios de rabiscos:
casinhas, flores e esboços de carinhas
com seta indicando: mamãe e eu.
Coisas tão doces quanto a gemada
que a mãe fazia, quando a gripe, que é matreira,
dava jeito de encontrar o pé da gente
no meio das cobertas, noite adentro.


Tantas coisas tão doces e belas,
e eu jamais me permiti amá-las
da maneira que faziam por merecer.
Tantas vezes desprezei o humilde amor humano
numa ânsia fantasiosa de grandeza,
quase insana, para alguém que é tão pequena.
Incapaz sequer de perceber
que o presente também é divino,
confundindo virtude e vaidade,
ansiedade com esperança,
lançando-se em um abismo
entre aquilo que abandona,
e o que, distante, ainda não alcança.


Aos Deuses, que são o que são
por estar onde lhes corresponde,
eu peço que ativem meus olhos,
que sempre pensei estarem abertos,
pois meus pés estão descobertos
e chegaram a resfriar o mais fundo do meu coração.


Não sei se haverá mel de abelhas
que volte a adoçar minha vida.
Talvez chá de alho, forte, com limão,
que expulse o vírus da vaidade,
dando lugar ao singelo amor humano
neste meu coração.


O amor que sabe ralhar e dar palmadas,
mas que é maior do que a zanga, e prevalece.
Puxa pro colo de novo, afaga e esquece,
pequena chama que jamais se apaga.
Esse que sabe correr para a janela,
à toa, às vezes, por nada,
e pegar de surpresa a mais bela
e misteriosa madrugada.
Que colhe flores de um jardim qualquer
e põe para enfeitar a casa.
Que espera a primeira estrela
para fazer-lhe um desejo.
E não sai de casa sem dar beijo
ou dedicar um doce sentimento
até mesmo aos seres invisíveis
que também habitam nela.
Que converte, enfim, em beleza,
o viver simples de cada momento.


Aos Deuses, eu peço, enfim,
que apurem minha vista,
pois nem mesmo um mar de lágrimas
teve êxito em fazê-lo,
e meu pranto acabou por converter-se
em úmido espetáculo egoísta
de quem não crê que, de fato, o amor exista,
e de quem pensa demais na própria dor.


Destilar toda a avalanche dessa dor
em uma gota de simplicidade,
e terá valido a experiência.
Fiel ao meu pedido inicial,
de não reerguer-me, senão maior que antes,
com uma gotícula de visão da essência,
de compreensão da condição humana,
de uma sólida, ainda que ínfima
parcela de sábia maturidade.
Qual base firme que me torne capaz
de ter e dar amor, e nada mais.
Arte e requinte dos homens sensatos,
que, com o pouco que lhes coube, erguem edifícios,
e, do exercício de sua sóbria sensatez,
acabarão por destilar, um dia,
algumas gotas de real Sabedoria.






A UM JOVEM
A Luiz Calcagno Fettermann.


Havia um jovem que eu vi, um dia,
cuja fúria de viver e de dar vida
soprava quase como um furacão.
Coração jovem, com força incontida,
corria o risco de que sua munição,
mal dominada e pouco conhecida,
sujeita a qualquer súbita explosão,
causasse a ele e aos demais dor e feridas.


Pedi acesso a esse coração
e fui tão gentilmente recebida!
Pude mostrar-lhe, paulatinamente,
ou relembrar-lhe, já que o pressentia,
qual era a única e justa direção
sobre a qual vale usar sua artilharia.


Presenciei lágrimas em um rosto jovem
ao relembrar de coisas tão antigas.
Ergui de novo, com ele, as mesmas vigas
do templo que já habitamos algum dia.


Hoje, a alegria que me traz essa lembrança
vê-se tingida de tristeza e medo,
pois que, na ânsia de dizer-lhe tudo,
deixei para trás metade do segredo.


Sinto-me honrada por me ter aberto
as portas de um recinto tão sagrado,
mas só se deixa a sala de um tesouro
com a segurança de deixá-lo bem trancado.


Ladrões que profanam templos,
sempre os houve e haverá.
Penetram, com vozes ruidosas...
Misturam, a jóias preciosas,
garrafas, palavras vazias.
Trocam o brilho do eterno
pela embriaguez de um dia.
Profanam, com zombarias,
nossas preces mais queridas.
Confundem esterco com ouro,
vivem a desonrar tesouros,
e a isso chamam “vida”.


Se posso pedir-te ainda algo,
agora, meu jovem, te peço:
deixa-me entrar novamente,
dá-me, uma vez mais, acesso.


Eu trago comigo uma espada
e vou ensinar-te a usá-la.
Verás que, à sua frente, se cala
a torpe e profana mentira.
Retoma, outra vez, tua ira,
empunha-a e entra comigo.
Depressa, a banir bravamente
o baixo e covarde inimigo.
É tua a minha mão; toma, aperta-a,
depressa a trancar essa porta.
Purificado é teu peito
de toda impura invasão.
E lembra que a mão que ora apertas
lutará sempre contigo
toda vez que o inimigo
vier a rondar teu portão.








A TRILHA DO DISCÍPULO (CANÇÃO)
Melodia de Tyago Amorim




O que te traz
são ventos de outrora,
com traços de aurora,
indícios de luz.
O amor que faz
sinais em teu caminho,
não te deixa sozinho,
teus passos conduz.


Marcas que, sobre a Terra, te fazem capaz
de crescer e alcançar deixar marcas iguais,
dotar a terra de trilhas sem fim,
gotas que abrem caminho rumo ao seu Mar, e nada mais.


A trilha de um mundo novo que se abre ante nós,
a saga de um homem novo que o tempo nos traz,
desce, como uma lança, e, como fizeram outros heróis,
rompe todos os nós e renasce em nós com nova esperança.


Posso lutar por alcançar, por ti, o fim da estrada...
Posso tentar antecipar, por ti, a Alvorada...
Nada por mim, seja por nós,
em tudo posso estar, se, para mim, não espero nada.
O que te traz
são ventos de outrora,
com traços de aurora,
indícios de luz.
O amor que faz
sinais em teu caminho,
não te deixa sozinho,
teus passos conduz.
Pois é do amor
guiar-te no escuro,
deixar-te seguro
da luz, no Portal.
Pois é da luz
guiar os teus passos,
deixar-te nos braços
do teu Ideal...
















LITANIA A ATENA








Senhora Divina a quem sirvo,


Dama Sábia e Serena...


Aos teus pés, deposito meu coração,


este e todos os demais que vierem a pulsar


sob o impulso da minha alma.


Que venha de ti essa Vida que canalizo, purifico e entrego à Humanidade,


sempre mais, quanto mais tua tutela de Guerreira me permite a vitória em minha batalha interior.


Ao abrir novamente, neste mundo, meus olhos,


que eles busquem sempre tua Luz,


que a encontrem o mais rapidamente que meu discernimento permitir,


que, diante dela, o meu corpo se perfile e minha alma se reconheça,


e que a sirvam uma vez mais, incondicionalmente.


Que eu vença meus vícios através do serviço,


do Sacro Ofício de tua causa grandiosa.


Graças te dou, Atena,


por me tomares como tua filha,


e não me crerdes limitada e pequena.


Ao teu lado, meu horizonte se estende indefinidamente,


e, ao final de cada jornada,


é em teu Santuário que depositarei


minhas armas e minha vida.


A Ti, Dama querida, eu rogo,


que meu brado de guerra seja sempre e apenas


Em honra aos Deuses,


em honra aos Mestres


e a ti, Atena !










À VIRGEM



À Dama pura e incólume


que sempre adornou os altares.


De semblante claro e límpido,


que comove e atrai os olhares...


Esses olhos, que, às vezes, em lágrimas,


elevam-se e buscam entendê-la.


Sempre tão serena e grandiosa,


sempre pura, luminosa e bela.






Ave, Mater que irradias o Divino,


envolta pela luz do Espírito,


em entrega doce e plena.


És Império do Ser sobre as sombras,


és Poder , e te mostras serena.


Em teu altar, firme e equilibrada,


tão segura daquilo que és.


De que serves ao Pai, e mais nada...


e o Universo se curva aos teus Pés.


As tuas vestes tão brancas, sem máculas


de dúvidas ou de incertezas,


e o dourado da Luz te coroa


e adorna tua pura beleza.


Tão atenta, velas pelo Filho,


alimentas toda a Criação.


Como Grande Mãe, compassiva,


acompanhas seus passos incertos.


Estás sempre ao lado da Vida,


e a abrigas nos braços abertos.






Grande Mãe, olhai por tuas filhas


que ainda não se trajam de branco.


que não vêem o serviço ao Divino


como a jóia real de suas vidas.


E se adornam com outras mil jóias,


e que anseiam outras maravilhas.


E que buscam o seu próprio brilho,


envolvidas em veste ilusória,


e que brincam com as rédeas da vida,


insensíveis à dor de seus filhos,


iludidas, sedentas de glória.


Tantas vezes, nem mães, só madrastas,


tantas vezes, de corações secos,


tantas vezes, de braços cerrados,


tantas vezes, cruéis, sem memória.






Ave, Mater, cujo peito é qual uma fonte,


tu que encarnas o Amor e a Humildade,


pois é apenas com a Luz do Pai que brilhas


e a refletes sobre a Humanidade.


Tu que serves, de forma tão perfeita,


fala sobre a pureza a tuas filhas.


Ensina-nos a tecer o manto branco que tu vestes,


ensina-nos a despir as nossas cores, tão sombrias...


Conduz-nos a deixar a noite escura de lua nova,


aprendendo a trilhar a rota em prata que tu crias.


Plenilúnio Tu és, e que assim sejamos nós,


coroadas também pela Luz do Pai Celeste,


adornadas, no mais íntimo altar de nossas almas,


pela inspiração da Virgem Mãe de brancas vestes.












CANÇÃO MATINAL DOS PÁSSAROS




 Em cada fibra, nessa canção, meu coração vibra,
percute o ritmo em que pulsa a vida, meu coração.
Se ouço e marco cada compasso dessa cantiga,
que é tão antiga, que é mesmo eterna e rompe a ilusão,
sei que só então eu entenderei, falarei a língua
desse que foi e sempre será meu Supremo Rei.
Vendo o poema que rima o mundo até seus extremos,
sinto o segredo de cada verso, de cada Lei.
E sei que é assim é que se celebra a humana magia,
pois que, um dia, não sofrerei mais por dor ou medo.
Já somarei o meu coração a essa sinfonia,
e a harmonia irá, então, tecer seu enredo.
Em sintonia com a Lei do Mundo, em um novo dia,
a cada gesto, seguir a vida, em seu andamento.
Na marcação do Senhor do Mundo, Maior Maestro,
na intuição das vozes da vida a cada momento.






A BAILARINA
A Lígia Campanella.


Não esquecerei a visão da bailarina,
de porte altivo, dominando a cena,
passos graciosos e olhar tão vivo,
gesto expressivo e face tão serena.


Mas, de repente, ela fixa um ponto
e gira e gira, como uma menina,
e apesar de encerrar com graça e encanto,
perde o equilíbrio ao se erguer, quando termina.


Sei que, sem ter tanta beleza nos meus atos,
tenho caído também, se gira a vida,
numa harmonia frágil, refletida
num ponto externo, incerto e inexato.


Alguém mostrou-lhe que, buscando um ponto interno,
iria manter-se de pé, posto que é certo
que, enquanto algo em nós decai, qual pleno inverno,
há algo que vibra qual verão, vivo e desperto.


Consulto a voz que me fala ao coração,
e ela me informa que decerto é preciso
admitir que o ponto externo vá ao chão
para dar vida ao ponto eterno ao qual eu viso.


Sei que, um dia, girará a bailarina
com o apoio único da sua própria essência.
Mas sei também que engana a aparência,
e já não é seu aquele corpo que ali gira.


Pois já não crê no ponto imaginário,
e vê girar a vida, a bailarina.
Já que algo eterno, por trás deste cenário,
vai estar de pé ao se fecharem as cortinas.






HERÓIS E POETAS
Em parceria com Marcelo Tranqueira
(autor das 2 primeiras estrofes).






São, dos poetas,
os heróis, irmãos.
Pois fazem da vida, com seus belos atos,
os mais doces versos da bela canção.


Fazem, do corpo, a mais vistosa pena,
da sua vontade, a indelével tinta,
da sua terra, o mais belo papiro,
onde o poema, os astros lerão.


Sabeis que há heroísmo na poesia,
para extrair da dor toda a beleza,
e, do aparente mal, a alegria,
e, de cada degrau, toda a certeza,
e, do ruído banal, a sinfonia...


E eis que há poesia no heroísmo,
lançar sobre o vazio um forte brado
que há de ecoar além do abismo
e há de renovar os pés cansados,
que irão, vencendo a inércia e o egoísmo,
marchar de encontro ao eterno chamado.


Pois é tão lírico teu canto marcial,
tal como é épico teu arroubo de poesia.
Calor do fogo que dá forma, ao final,
à doce luz que vem trazendo um novo dia.








HOMENAGEM A JOÃO PESSOA




 À Terra que, carinhosa,
acolheu-me, qual um berço.
À Terra que a todos recebe,
caloroso coração,
doce qual fosse um fruto
que jamais sai de estação.


Sou estrangeira, como tantos
que se fazem paraibanos
rendidos por teus encantos.
Estrangeira com bagagem,
a que ora te ofereço,
sem ânimo de outras viagens.


Ofereço aos teus filhos
souvenir de terras gregas:
o amor ao Discernimento,
pois que não queiram ser cegos
em terras de tanto brilho;
que os heróis, não os leve o vento.


Que haja honra no que aceito
e fibra naquilo que “Nego”.
Que haja um orgulho em cada peito,
vivendo em terra tão boa:
ser mais que João, José...
ousar ser até ...Pessoa!






A EROS




Os Deuses me enviaram o mais precioso dos presentes;
tornei-me anfitriã do mais ilustre visitante,
requinte dos requintes,
altivo e radiante,
poderoso Amor.


Vinho de nobre linhagem
vertido em tão rude Graal,
recusas os limites de teu pobre recipiente,
explodes em meu peito,
expandes minha vida para além de qualquer margem.


Ave de vôo potente,
indomável, divina arte,
causas êxtase e vertigem
em que tenta acompanhar-te.


Com tuas garras, dilaceras
o ousado portador
que anseia por contê-lo.
Dilacera-nos de dor,
e, ainda assim, como és Belo !


Não te vás nunca, Graça Divina,
tão grandioso sentimento
que atravessa todo o mundo,
impetuoso qual fosse o vento.


Se tu partires, não serei nada,
apenas ermo e vão castelo
onde a Psique, desconsolada,
chora a perda do Ser mais belo.


Fica, ainda que tu diluas
as margens deste meu coração
com seus limites imaginários.
És Alkahest, solvente universal,
dissolves o portador temerário
que ousa tentar te conter.


Eu te percebo, às vezes, árduo e cruel,
mas, ainda assim, te quero em minha vida.
Ainda que me negues tuas sombras neste mundo,
ainda que me cegues e exponhas minhas feridas,
ainda que não me dês nada, nada mais
senão o delírio de tua presença,
eu quero estar contigo.


Para quem te sonhou doce, és demasiado amargo,
para quem te crê frágil e lânguido,
és demasiado forte, viril e guerreiro.
Mas não há algo tão belo como és, no mundo inteiro.


Permite, Ser Divino, meu acesso a teu Séqüito,
humilde e despojada de adornos que me impeçam de voar.
Toma-me em tuas garras,
cruzando os ares no ardor deste teu vôo,
vendo o mundo a partir da altitude em que tu o vês,
vendo e amando o mundo através de teus olhos,
ainda que me dilaceres, desmontes e desfaças
e me reconstruas
na forma que escolheres para mim.








“O Choro pode durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã”
Salmo 30:5










Ao Mestre invisível que me alcança com essas doces palavras de amor...
Tuas palavras fazem com que o pranto se transforme em benfeitora chuva que irriga meu coração, fazendo-o florescer.
Sinto teus dedos tocarem meu rosto e recolherem cada lágrima para que nenhuma se perca, para que todas se vertam sobre a árida terra, trazendo fertilidade e Vida.
Já nem anseio pela manhã, pois que és Tu mesmo, para mim, a própria expressão da alegria, da poesia e do Amor.
Eis, Senhor: já vem a luz do dia, qual prenunciaste; já alcanço vê-la. Já vem a luz que garantirá o germinar de cada semente que mantive viva com minhas lágrimas na noite dos tempos.
Graças, Senhor, por haver chorado; graças a cada agente teu que fez verter minhas lágrimas no caminho. Pois só assim pude sentir teu doce toque em meu rosto; graças por fazer-me útil, ainda quando choro. Graças por poder servir-Te como sou e como serei, eternamente.
Que todas as minhas lágrimas e sorrisos sejam úteis para Ti, pois, aos teus pés, tudo se justifica.
Sinto teu braço firme conduzir-me para casa ao longo de uma estrada que se encontra com o horizonte. Sinto o olhar doce com que acompanhas minhas correrias, na ânsia infantil e impensada de te fazer orgulhoso de meus avanços. Percebo tua compreensão e incentivo; vejo tua sombra ao meu lado, ainda quando insisto, teimosa, em olhar apenas para o chão. Vejo o poente para o qual caminhamos e te sonho ao meu lado no horizonte. Imagino-me a rodopiar à tua volta, na euforia de estar contigo, enquanto o Sol desce ao nosso encontro.
Graças, graças, Mestre, pela esperança de mais um dia...








RENOVAÇÃO




Em algum ponto, perdemos a alegria.
Hoje, é premente promovermos o reencontro...
e repassar de novo, ponto a ponto,
a rota que trilhamos algum dia.
Penso não ser difícil reencontrá-la,
pois ouço os ecos dos risos do passado,
rastros de nossos passos, lado a lado,
e as sombras vagas de tudo o que sonhamos.
Busca comigo, ao meu lado, vamos!
lembra que fomos simples, só aprendizes,
e, com tão pouco, fazíamos histórias,
e, com tão pouco, éramos felizes.
Fazíamos troça com as dificuldades,
lidávamos com a vida qual crianças,
pois eram tantas e tamanhas as esperanças
que nos faziam pairar além da idade.
“Se há dragões, nós venceremos todos;
todos os inimigos derrotados!
Se há irmãos, nós os encontraremos...
logo estarão todos sorrindo ao nosso lado.”
Hoje, eu te vejo e tu me vês: onde o sorriso?
onde a felicidade transbordante?
Qual o dragão, sutil e traiçoeiro,
roubou de nós o que já fomos antes?
Eu ouço, hoje, outros risos, outras vidas,
um outro coro de alegria e de esperança
que só reativa, enfim, nossas lembranças
e nos obriga a procurar uma saída.
Quem nos garante que não virá o dia
em que os sorrisos voltarão a ter um fim?
cabe encontrar, então, em ti e em mim,
uma resposta como garantia.
Recuperar nossa felicidade
por sermos o que somos, nada mais.
Abandonar as dores, folhas mortas,
deixar que os mortos descansem em paz.
Buscar a vibração ante a Verdade,
e a aceitação do que vimos em nós.
Marchar com as nossas falhas, nossos nós,
voltar a rir ante as dificuldades.
Sei que é possível, pois te amo demais,
e o nosso amor é indigesto aos dragões,
pois não há dores, perdas ou pressões
que me impeçam de ir aonde tu vás.
Algo em mim estará sempre contigo,
pois foi atado tão profundamente
que me permite, hoje mais que antes,
ter o direito de chamar-te “amigo”.
Eu sei, tu sabes de onde vem nossa união,
e esse Ser tornou-nos mesmo, mais que amigos,
pois que me fez reconhecer-te como irmão.
Por isso, vem , não hesita mais, marcha comigo,
porque é certo que existe um caminho.
Mas que é tão árduo sem tua presença,
sem tua alegria, trilhá-lo sozinho...
Se nos restou o Amor, há esperança,
temos um novo ponto de partida.
Reaquecê-lo com o fogo das lembranças
e confiar que, o resto, nos trará a Vida.










GRATIDÃO
A Michel Echenique.


E sobre os degraus da angústia e da dor eu me ergo,
e é tua a imagem que me arranca ao chão, oh, Senhor.
Relembro tua imagem, reúno coragem e me ergo,
de pé sobre os frios degraus da angústia e da dor.
Marcado em meu peito o Brasão do Senhor a quem sirvo,
é tua a memória que sempre caminha ao meu lado.
E, ainda que andando em outro mundo, não estarei sozinha,
minha alma caminha serena ao ouvir teu chamado.
Há algo que brilha ao longe e nos chama para casa,
tua voz soa em minha lembrança e me faz criar asas,
tua imagem desenha em meu peito um crisol de esperanças.


Já que insuflaste, em minha vida, a brisa fresca
que me livrou da mais cruel asfixia,
já que tirastes de ti a energia
para erguer-me e manter-me na trilha.
Já que fizestes de mim a tua filha,
que é, das marcas que trago, a mais honrosa,
destilarei de minha alma um doce aroma
para brindar-te com a mais rara e bela rosa:
eis uma alma que se abre e se reeencontra
na luz solar que a alimenta e justifica.
O amor à luz, enfim, não mais, é só o que conta,
e ouvir tua voz, de tudo, então, é só o que fica.
De resto, é só entrega, é só segredo,
imergir diariamente no mistério
e retornar, livre de toda dor e medo.
E tua lembrança é o que de mais caro me sobra;
toma para ti minhas mais nobres esperanças,
toma meus braços no serviço de tua obra.










DA CRIAÇÃO




Em parceria com Marcelo Tranqueira


(autor das duas primeiras estrofes).






Quebrar o silêncio com versos ritmados.


Ao seu tempo, as formas ganham vida,


e, em um canto que nunca cessa,


o Criador engendra a harmonia.






Tecer, com sonhos, cada novo dia,


é com a ação que tudo se inicia,


vencer a inércia que a morte sentencia


e dar notícias de uma nova alvorada.






Pois que a sentença de morte está cumprida


quando se insere a inércia e o estatismo


no seio mesmo do que chamamos "vida".






e eis que a nossa sorte está lançada


quando marchamos, cegos, para o abismo,


quando desviamos da longa e eterna estrada.












OFERENDA




Delicado relicário,
com brilho de diamantes,
embalo o mais belo presente
e oferto o meu coração.
Marcado de dor e alegrias,
buscando expandir-se e ser pleno,
rompendo a prisão da crisálida,
nascendo à luz da manhã, cálida,
desdobra e usa suas asas,
tornando o mundo pequeno.


É um prisma do Senhor do Mundo
que esse Ser gera e ilumina,
cravado por Ele em meu peito,
capaz de tingir o opaco,
capaz de mudar o imperfeito,
qual fosse uma frágua divina.


Percebo nascendo, em mim,
em meu coração, o emissário
da Voz do Senhor do Mundo.
Meu coração-relicário
de um Mistério tão profundo.
Meu coração, portador
da boa nova à humanidade,
buscando, ainda à custa de dor,
a mais prístina Verdade.
Meu coração-atanor
do mais sábio alquimista,
que explode em tanta luz
que cega e deslumbra a vista.
Solitário possuidor
da chave entre o bem e o mal.
Qual forte catalisador
do Ouro Filosofal.


Meu coração, todo Amor,
é o mais singelo presente
que, diante deste altar,
exponho, humilde oferenda.
e os Deuses o envolvem em rendas
e escolhem a quem ofertar.
E a mim, só cabe aceitar
o implante divino e perfeito
que rasga os véus da ilusão
e rompe com a separação,
e faz com que o meu coração
pulse, agora, em outro peito.








MISSÃO MARÍTIMA
Para Lu Diniz


Até bem longe, onde a vista alcança, lanço meus sonhos,
e, então, flutuo num mar repleto de esperanças...
Projeto minha vida, em um arco ascendente, até o horizonte,
até aquele ponto em que o Céu finda e o Sol descansa.
Prendo minha alma a algo ainda maior que a vida,
e assim atada, em estreito laço, ela se liberta,
baila pela Terra como estivesse em pleno espaço,
imprime em meu corpo o justo compasso e a direção certa.
Posso ouvir os sons que ecoam além do que o tempo alcança,
chamam por meu nome e me arrancam ao sono de um mundo denso...
Plena e segura, minha alma se depura e meu corpo avança,
qual terra que aflora, emergente e pura, em meio ao mar imenso.
Há que expandir para a Humanidade o ancestral segredo,
sob a superfície escura e abismal, seu poder latente...
Partir desta ilha de saber real e, vencendo o medo,
expandir fronteiras, vencer barreiras, erguer continentes.














POR BESLAN


Homenagem às crianças russas
mortas em atentado terrorista.




Derramemos nossas lágrimas por Beslan,
por suas, por nossas crianças,
pequenos botões destroçados.
Por suas pequenas mãos, cruzadas
sobre um peito onde habitavam tantas esperanças.
Choremos pelas mães e pais de Beslan,
por seus braços vazios, pelas carícias sem destino,
por seus corações sangrantes, feridos.
Por seus rostos lívidos que espelham, em desatino,
toda a perplexidade do mundo.
Choremos pela nossa Humanidade,
pela perda da nossa humanidade,
virtude tão rara, que se escoa em meio aos dedos
duros e frios desse tempo tão cruel.
Mas ousemos, sobretudo,
o ato de suma coragem.
De matar em nós o matador,
de atacar de frente a semente de toda crueldade,
de todo terror,
frente ao qual sucumbirão, em lúgubre holocausto,
as crianças que aqui estão e as que hão de vir.
Matar a semente que se alimenta da dor e que cresce,
rastejante e silenciosa, rumo a novas vítimas.
Tenhamos a suma coragem de vencer nosso ódio e revolta
e chorar pelos carrascos de Beslan.
De perceber que algo muito pior que a morte pode atingir o homem.
Imaginar a asfixia torpe, sombria da extrema ignorância e brutalidade.
Ousar sentir o desespero e ânsia de quem carrega nas costas tanta dor.
Sentir o precipício, a escuridão
em que tombaram essas almas,
que também são nossas irmãs,
que também são nossas crianças.
Se toco o teu rosto, todo o teu corpo responde e sente.
Nós somos, Humanidade, esse Corpo, ainda que inconsciente.
Algo de nós vai ao poço com aquele que cai,
assim como algo de nós sobe aos céus com aquele que ascende.
Ousai sentir o drama de quem habita a escuridão extrema,
aquele sobre quem pesa o fardo de tanta dor,
que desceram tão fundo
que só com muito esforço e vontade podem ser alcançados pela misericórdia
e pelo perdão.
Algo de nós precipitou-se neste abismo e há de ser, em algum momento, resgatado.
Agora, há muito a fazer.
Fazer de Beslan um libelo,
vencer o terror em nós.
Gravar, no mais profundo, em nossas almas,
a marca inexprimível dessa dor.
Choremos, choremos muito.
Comprimindo nossos peitos, magoados
pela terrível dor da Humanidade.
Essa dor é nossa dádiva;
nossas lágrimas vertidas serão o dilúvio
que há de banhar as almas dos homens despertos.
E, sobre essas lágrimas, há de flutuar a Arca da Aliança,
que provará que ainda vivem os homens puros,
sinalizando, para todas as crianças,
a esperança de que ainda haverá futuro.










VOTOS PARA O ANO NOVO




Volta o tempo de novo a rodar


e retorna ao ponto de partida.


Chega o tempo de contar


mais um ciclo em nossa vida.


Tempos de reflexão,


de trazer o passado ao presente,


de avaliar a ação,


constatar o consistente,


descartar o peso vão,


consultar o coração,


delinear o futuro,


embalar nossos presentes,


dedicar a quem amamos


o que temos de mais belo e puro.


E, então, tu me vens à lembrança.


Quero, pois, te dedicar


minhas melhores esperanças.


Que, algum dia, no ano novo,


tu ouses deter tua ação,


por minutos, bloqueie os sentidos


e apenas preserve os ouvidos


para ouvir pulsar teu coração.


Que a marcha que ele te informa,


harmoniosa, constante e definida,


reflita-se sobre tua vida,


modele em ti uma nova forma.


Que detenhas uma vez teu olhar cansado


e o fixes, sem pensar, em um só ponto.


Verás, então, que toda a Humanidade


virá, nesse momento, ao teu encontro,


posto que todos se encontram na Unidade.


Que te protejas das idéias obscuras


preenchendo tua memória com beleza,


com as grandes máximas, com as Leis da Natureza,


chave ideal para tornar tua mente pura.


Que preenchas os espaços tão vazios,


em que divaga em coisas vãs o pensamento,


em relembrar tudo o que é nobre e que é sadio,


que sacralizes alguns de teus momentos.


Que te dediques, com tua energia,


a algum serviço nobre e altruísta.


Maior antídoto para a vida vazia,


pois cura a alma e depura a vista.


Que te construas, enfim, qual edifício,


com bases firmes, verticais, cortando o espaço.


Em um labor contínuo, passo a passo,


com as ferramentas do amor e o sacro ofício.


Que tenhas paz, enfim, paz de quem luta,


serenidade em pleno movimento,


eternidade por trás de cada momento,


presente intenso e ação eficaz.


Que guardes bem, além de tudo, a tua Estrela,


que não te esqueças da luz que ela projeta.


E, mesmo sob um céu nublado, lembres dela,


que ames a Luz e encontres nela a tua meta.






Canção de Tróia






Canto ao poder de Aquiles,


um Gigante frente ao Medo.


Canto à argúcia de Ulisses,


arte em desvelar segredos.


Canto à Honra de Heitor,


sacrifício, puro Amor,


tão nobre Amor...






Ode de um Poeta Cego que sonhava luz...


Glória e sede por História,


saga de heróis.






Ouço a voz de alguém que canta ao Valor....






Ode de um Poeta Cego que sonhava luz...


Corre, nas veias da história,


sangue de heróis.






Fúria insaciável, desafio ao próprio tempo,


aos limites, aos lamentos,


um convite para


conquistar, combater,


confrontar e crescer,


desvelar, definir,


procurar, persistir.










Olhos de um Poeta Cego que vê mais que o mundo inteiro...


Portas para um mundo eterno, forte, intenso e verdadeiro...


E voltar a ousar,


e buscar no além-mar,


as muralhas vencer,


expandir-se e viver.






Ode de um Poeta Cego que sonhava luz...


Brilham, lembranças de Tróia,


marcas de heróis.






Fúria insaciável, desafio ao próprio tempo,


aos limites, aos lamentos...


Um convite para


conquistar, combater,


confrontar e crescer,


desvelar, definir,


procurar, persistir.










Olhos de um Poeta Cego que vê mais que o mundo inteiro...


Portas para um mundo eterno, forte, intenso e verdadeiro...






Vejo a sombra das naus gregas feita em luz no horizonte,


vejo a garra, vejo a entrega, o amanhã nascer do ontem.






E voltar a ousar,


e buscar no além-mar,


as muralhas vencer,


expandir-se e viver...


Pelos sonhos velar,


conduzir e buscar


a outra margem do mar...





FAUSTO








O Bem e o Mal é o dilema sobre o qual


oscila eternamente a alma humana.


Questão maior que há entre todas, soberana,


primeiro sempre dentre todos os problemas.


Lançada assim sobre o inóspito dilema,


hesita a alma humana, agitada.


Pois Bem e Mal parecem ser um mesmo tema,


com gradações que vão do Todo até o Nada.


Pois escolher é sempre ousar reconhecer,


e converter teu Bem em algo ainda Maior.


Ousar matar e dar lugar ao renascer,


ousar beber de novo a eterna cicuta.


Avança, então, com decisão, rumo à disputa,


levanta e escolhe onde lançarás teus dados.


Em qual das linhas formarás, em qual dos lados,


desta eterna e árdua luta


aliarás hoje o teu braço?


Pois sabes que nada que faças


cairá no vazio ou é vão...


Fita os lados da luta e escolhe


onde alistarás teu coração.










ANONIMATO






Quando a voz das emoções torna-se muda,


e não mais sopram os ventos das paixões,


há que haver terra firme, além das ilusões,


onde ancorar, reconstruir, buscar ajuda.






Na solidão aterradora deste tempo,


em que, parece, até o tempo se ausenta,


no vácuo de todas questões e sentimentos,


e nada novo em nossa porta se apresenta,


perder, ganhar, importa pouco ou quase nada,


quando o desejo perde o gosto e já desbota,


gesto mecânico, sem cor, sem tom, sem nota,


e até a memória extraviou no pó da estrada.






Em algum lugar, tua sombra tênue há de estar,


sem corpo físico, mas viva e em movimento.


Sei que também atravessaste este momento


e prometeste revivê-lo junto a nós.






Preciso ver e constatar, junto, ao teu lado,


um novo gosto, que depure o paladar,


novas razões que me motivem a atuar


sem estar presa vitalmente ao resultado.






Como te moves? onde encontras tuas razões?


Qual é o chão que te impulsiona ao movimento?


Que restará, qual sensação, qual sentimento,


em meio ao vácuo do calar das emoções?






Recomeçar, trilhar de novo essa estrada,


despida a máscara, desbotado o verniz,


sem ostentar tudo o que sou, tudo o que fiz,


com a certeza que não sou nem faço nada.






Nesse avançar no anonimato, passo mudo,


reencontrar-me, estando em tudo, agindo em tudo,


rumo à alvorada luminosa em que me esperas,


junto ao Anônimo que construiu as Eras.








AOS MESTRES QUE MARCHAM NA NOITE:




Vós, os Cavaleiros que atravessais esta longa noite,


convocando os nobres a virem compor o vosso cortejo,


vós, que caminhais, de forma tenaz, pela longa noite,


até que o futuro lhes abra a porta, lhes dê ensejo,


vós, os que marchais por todos que dormem e os que duvidam,


vós, que aguardais até que despertem e se decidam,


vós, que afrontais, com vossa Vontade, essa dor insana,


sois os que registrais, com vosso próprio sangue, a história humana.


Vós, os que resgatais, na escuridão, os que andam a esmo,


e que os direcionais, no justo caminho, à busca de si mesmos,


vós, os que, incansáveis, não conheceis limite ou fronteira,


e que, em meio à noite, alimentais a chama verdadeira,


vós, que, com vosso Sopro, fazeis soar o Clarim sagrado,


sopro atemporal, que torna atual o Valor passado,


vós, que sabeis portar a marca ancestral que o homem merece,


só ante Vossa Voz nossa alma se abre e se reconhece.


Sonha, um dia, estar pronta a dedicar-se ao vosso ofício,


estar dedicada à ação, à transmutação e ao sacrifício.


Estremece, enfim, e se reconhece ante vossa Voz,


esta alma adormecida que jaz sonhando dentro de nós.






FELIZ NATAL








Voa a vida, junto ao vento,


eterno mistério do Tempo,


voltamos ao ponto, ao Portal


que abre o acesso ao Centro


da Grande Espiral.


A Grande Mãe prepara o berço do Menino,


a Natureza aguarda o nascer do Divino,


faz-se o Natal.


Vê como o ruído se cala e o calor se reduz


e o Semeador espera


que o Grão da Primavera


irradie, em pura Luz,


reduzida à sua essência


transcendente e espiritual,


dando à luz uma nova semente,


que fecundará o mundo, novamente,


para elevar-se aos céus em outro Natal.


Todos os filhos dos Ciclos da Vida


circulam, cegos ou despertos, nesta Dança,


nessa espiral, envolta em esperanças,


que se converte em Cerimonial


quando se avança aliado à Natureza,


quando se marcha com consciência e com beleza,


buscando a Deus ao pisar cada degrau.


É inevitável que irradie o sentimento


de que algo novo surgirá, a cada momento,


na ascensão que leva ao ápice final,


no auge do dourado cone natalino,


no berço do teu coração, nasce o Divino...


É justa tua celebração; faz-se o Natal.












Cruzeiro do Sul








Ao misterioso Ser Sutil,


tutor de nossas terras brasileiras.


Coração aberto e verdejante


tal qual o de seus habitantes.


Oh Grande Deva, cuja olhar cobre as fronteiras


desta terra que elegemos como lar.


Ser Soberano, que habitas no Cruzeiro,


sob tua Luz, nossa Águia faz seu ninho e pousa,


no berço esplêndido e grandioso em que repousas.


Filhos da Águia, nessa terra que consagras,


também teus filhos, te narramos nossa saga.


Conhece o nome d’Aquele que nos envia


e que nos manda cumprir essa missão.


Vê o brasão do Senhor, que se anuncia,


gravado em nosso coração.


Viemos trazer, com nossas mãos, as ferramentas


para abrir passagem ao Sol de um novo mundo.


Temos conosco o Machado, a Clava Forte


dos que tu sabes que jamais fogem à luta.


E a Tocha da Sabedoria, cujo porte,


é imprescindível em meio à noite absoluta.


Temos a pena da Justiça, cujo traço


há de envolver teus filhos, em um forte laço.


Para adornar-te, temos louros da Vitória,


para que o presente também seja Paz e Glória.


Somos obreiros, Senhor, do Novo Mundo,


a cujo Sol te referistes no teu Hino.


Somos semeadores do Divino


na terra fértil e generosa que guardais.


Eis que te expomos nossas credenciais


sob esse teu portal radiante, o Cruzeiro,


e esperamos que nos reconheçais


e franqueeis para nós vosso sendeiros,


velando por toda semente que plantemos


para que possamos colher planta, uva e vinho.


Que tu indiques, para nós, os bons caminhos


e abras passagem aos corações de teus filhos.


E se reflita, em teu seio, o nobre brilho


da Águia Solar que nos conduz a este meio.


E que o Cruzeiro testemunhe esse momento


e sele o Pacto Sagrado, o Sacramento


desse acordo tão sublime e sutil


entre o Senhor do Mundo e o Senhor dessas Terras,


Pátria Amada, Brasil.









Idílio de um Amor que sonha com Eternidade



Quando lembro daquilo que amo,


tudo é motivo para expandir e ir além.


As flores, que ninguém jamais veria,


encontram brechas para nascer e vir à tona.


As coisas nobres da vida,


o que emociona e, ainda melhor, tudo o que eleva,


e até as folhas secas, que o vento arrasta e leva,


tudo é poesia quando lembro do que amo.






E quando, aos quatro ventos, meu amor proclamo,


ouço ecoar minha voz nos quatro elementos...


e as emoções buscam, em espiral, os sentimentos,


e nada resta sobre a terra que eu não veja belo,


pois o meu amor é liga, é forte elo,


é compromisso com a beleza e com a esperança.


E até as aves, que compreendem tudo isso,


entoam meu amor a toda Terra, nas auroras.


E revigora o ardor, para quem luta e avança,


e esgotam-se as lágrimas, para quem sofre e chora.






Tudo isso, ao transbordar, o meu amor atinge e alcança,


pois, ao jorrar do céu em vales e montanhas,


preenche o que está vazio,


apara o que fere e arranha,


é cálido abrigo, no frio,


é brisa fresca, no calor.


E, acima de tudo, é Amor,


e estará aí, ainda, quando


as fúrias do tempo, soprando,


levarem os vales e os montes,


levarem o calor e o frio,


e só restar o vazio,


tão total e absoluto,


tão profundo e sem horizontes...






Aí está a nascente, a fonte


de onde brota o meu amor,


pois meu coração aí vive,


e baila, e dá à luz o Universo.


E aí nascem as leis, sempre em versos,


que, tomando forma em palavras,


são, em síntese, o que sinto e o que proclamo


aos quatro cantos, quando lembro do que amo.








Pequena caixa de jóias de Vênus




Quantos disseram que a beleza é frágil,
relacionando a forma rude à fortaleza,
sem alcançar ver o real, por trás dos véus?
Hoje, sabemos que a beleza é força,
mágico prisma, poderoso e ágil,
mediante o qual nos colocamos frente a Deus.


Outros disseram que dar vida não é importante,
e que, na vida, só importa o horizonte
que se alcança, conquistando o seu destino.
Mas nós sabemos que estar vivo é estar presente,
e só se avança com essa solidez constante
de quem transita do Divino ao Divino.


Alguns disseram e outros o creram, que este mundo
é mera barca, e que, findada a travessia,
já mais ninguém recordará do Azul Profundo.
Mas nós sentimos, pois amamos a Verdade,
que coube a nós tecer a Trilha, a cada dia,
com a fibra azul de nossa Generosidade.


Graças, Senhor, por nossa força e paciência,
graças, Senhor, por nossa fibra persistente,
por nosso Amor, malha tecida em puro aço.
Nós lutaremos contra toda resistência,
nós teceremos o Universo, novamente,
pois nossa Força é a extensão de vossos braços.








AURORA SAGRADA




Aurora, hora cinza, áurea hora,
momento de encontro com Deus.
Transborda sobre a natureza
um plasma divino, cinzento,
que preenche, a cada momento,
os seres, qual recipientes.
Neste contraste entre a escuridão e a luz,
em que se sente estar vivendo um sonho,
posso saber aonde este sonho conduz.
Os homens erram ao pensar
que o sangue de Deus se derramou
um só dia sobre a Terra,
pois ele se derrama em todas as auroras,
sem alcançar, por hora, despertar os homens.
Que são os homens, senão somente nomes
que se dá a gotas de aurora,
agora, isoladas e esquecidas
da fonte comum que lhes deu vida?
Gotas são partes do Deus que se derrama,
aprisionadas no tempo e no espaço.
Episódios deste Deus a quem se ama
e a quem se busca rastrear, pelos seus passos.
Querer ser gota faz que inevitavelmente
despedacemos a Deus.
Podemos vê-lo, aos pedaços, pelas ruas,
perplexo, perdido, a esmo,
com saudades de si mesmo,
da totalidade.
Senhor, esse plasma misterioso,
prisioneiro da gota que sou,
vem ao teu encontro sempre, a cada Aurora.
Sonha ser célula de um Ser inteiro e vivo,
e não uma lágrima, entre mil, de um ser que chora.






Como sempre, à Beleza.




 Percebo, em minha alma, a sede por gerar beleza,
irradiar essa luz que torna fértil e faz brotar
tudo o que de necessário houver para a Vida.
Pois a beleza é o prisma que, da luz branca, gera o espectro colorido.
Não só brinca no espaço, não só baila, mas desperta e dá sentido.
É vento que vitaliza cada vão por onde passa
e invade as janelas,
gerando a dança das diáfanas cortinas,
e até o imóvel ela realça e anima,
e reaviva o enrijecido coração.
É de onde nasce a poesia e a canção.
Nenhuma alma permanecerá sombria
se varrida por ela,
tão hábil artesã de almas belas,
tão ágil em preencher almas vazias.
Imperativo é deter-se e olhar o espaço,
erguer-se na ponta dos pés e abrir os braços
com tanta força, até sentir os próprios ossos...
E que a força dessa Vontade de enlaçar o Universo
tenha o poder de atrair, ao nosso peito,
a cor final do crepúsculo
e a fúria de todos os ventos,
matéria-prima da alquimia da beleza
para forjar sentimentos.
E então, no forno perfeito, nosso peito,
nascerá o puro Amor
e tudo aquilo mais que, para a Vida,
intensa, clara, transbordante e definida,
necessário for.








Reconciliação




 Lembrei-me, esta manhã, da minha infância
e dos bolos que minha mãe fazia,
tão perfeitos, tão estéticos,
mas feitos para serem consumidos,
e assim, ante os meus olhos, iam sumindo,
deixando sempre, em meu coração,
um gosto de tristeza e nostalgia.
“Não liga para isso”, a mãe dizia,
“Mamãe faz mais”, falava com brandura.
Mas a verdade é que essa simples lógica
de construir, consumir e substituir,
que é a tônica da natureza,
sempre me pareceu cruel e dura.
E a somatória de toda essa tristeza,
ao longo de uma vida inteira,
converteu-se em revolta e amargura
contra um Criador que permitia
que as formas se consumissem tão vorazmente,
sem compaixão por suas criaturas.
Não entendia que haveria o leite eternamente,
e que o bolo foi feito, não em vão,
mas para alimentar o ciclo da vida que se renova,
rumo à Vida real que se pressente.
Construí um mundo sob a ótica do bolo;
valores, virtudes e moral de bolo,
constantemente amargurada pelas mordiscadas que a vida ia me dando,
não por maldade ou por bondade,
mas por imperiosa lei que a faz prover
os ciclos que virão e suas necessidades.
Tão difícil remover daí minha consciência
para levá-la em direção ao branco Leite,
que participa do bolo, mas que não é ele,
e que comporá outras receitas, quando ele se for.
Tão difícil entender as razões do Criador,
de usar vida para gerar Vida,
aplacando meus protestos, compreendendo suas razões...


Nessa manhã sem bolo, com minha xícara de chá,
uma manhã apenas, em meio a milhares que se foram e que virão,
em que a natureza se esmera, como sempre, em servir a mesa,
sem revolta ou amargura pela eterna renovação,
fico imaginando se cada uma dessas manhãs carrega uma migalha
para que um dia amanheça de fato,
e se cada uma delas se eterniza nesse ato,
no sacro ofício de carregar migalhas de luz,
assim como todos os bolos do passado
compõem o corpo que uso hoje,
e negar-me a consumi-los teria sido
negar-se a prosseguir, segundo a Lei.
.
Vejo os olhos de alguém, em uma foto,
de alguém que foi como um Lótus.
Acima das águas, serena.
Jamais se deixou afetar
pelos que se debatiam nas águas,
agressivos, ansiosos por ar.
Mas entregou, para servir de alimento,
a forma com que o Criador a moldou,
caprichoso cozinheiro,
cioso em nutrir seus filhos.
Mas a serenidade em seus olhos é de quem sabe
do ingrediente imortal que a compõe.
Seu mundo é um mundo de Leite,
e, nesse mar do Eterno Ingrediente,
sua Alma flutua, tranqüila,
e transborda serenidade,
essa que tanto tenho buscado,
essa que busco tão ardentemente.
Que eu possa provar, Dama tão nobre,
de uma gota sequer de tua Verdade
que me permita reconciliar-me com o Criador
e colocar-me a seu serviço, em paz, enfim,
consciente do Divino Ingrediente
presente em mim.








Ao Divino Cortejo de Apolo.


 Às Musas, que tanto amo,
sou grata de toda a alma.
Ao ver, no azul, a prata
que brilha nas noites calmas,
sou grata, mil vezes grata,
pois olhos são dons divinos.
Não nascem em nós; despertam,
qual despertam doces anjos
ao som de distantes sinos.
Às Musas, que meus olhos abrem,
que sabem, e só elas sabem
combinar corpo e canção,
e recitam suas receitas
de chegar ao coração,
eu peço que ouçam meu canto,
meu mudo cantar sem palavras,
pois vossas são as palavras
que anseio em expressar.
Dai-me voz, Damas Celestes,
tornai puro o coração,
pois que, ao pisar o chão,
não sujeis as vossas vestes.
Concedei –me a visão
de vosso reino, não mais...
Dai-me a paz, o passaporte
da mais plena e pura calma,
por deixar o adormecer
e alcançar, no azul do Ser,
ver estrelas em minha Alma.








Confiança




Confio em Deus, no Dharma e nos Mistérios.
Ante minha alma, essa confiança empenho.
Como um guerreiro que depõe suas armas,
aos pés do Dharma e do Mistério, eis o que tenho.
Se pouco ou muito, é relativo e pouco importa,
importa pouco o nome sob o qual eu vivo,
nomes que a tantos só mantêm cativos
de nomes vivos e esperanças mortas.
Importa muito o Nome ante o qual eu venho,
nome impossível de expressar em língua morta,
nome deserto de conceitos e limites,
claro Oceano, luminoso e ermo
que põe um termo ao caminhar humano.
Suave canção que, no silêncio, a alma entoa,
suave convite a atravessar o umbral, a porta,
desvencilhando o que pesa do que voa,
e libertando a alma do homem de seu nome,
fazendo-a célula do Mistério e da Lei.
Se algo valesse o que sou e o que sei,
eu te diria agora: entrega o teu nome.
entrega a máscara em nome do que és,
e espera em paz a luz que vem tocar teu rosto,
a luz da Lei que te coroa, em tua luta.
Faze-o agora, antes que a noite se acentue,
e obstrua o ímpeto da alvorada.
E então, em paz, sem dissidências ou disputas,
desfruta o gosto de ser Todo, e não ser nada.










Segredo


 Meu rosto, no espelho, parece esconder um segredo,
que é mais do que o medo ou cansaço da longa jornada.
bem mais do que o velho retrato, atado à vida,
é algo que traz escondida minha alma, calada.
Minha alma, que, ao longo da estrada, encantou-se no espelho
e deixou que o velho tomasse o lugar do antigo.
Calou-se e deixou-se esconder sob a rígida face,
qual cela em que se encerrasse o pior inimigo.
Perigo sempre há de negar e extraviar a lembrança,
mas eis que me alcança um olhar que penetra na cela,
olhar de quem vela e luta pela prisioneira,
capaz de torná-la herdeira de suas esperanças.
Eu tributo ao mestre o fôlego e a fé alcançadas,
pois vês o potencial de luz na total escuridão,
e vês, sob a erva banal, o oculto botão,
e sonhas e fazes sonhar com a flor desabrochada.
Tu vês um futuro possível em uma porta cerrada,
tu vês a aprendiz e a guerreira em minha alma-menina.
Em meio à densa neblina, tu vês uma estrada,
tua fé me ilumina, e, onde outros duvidam, tu vês.






Canto de Amor à Paraíba:


 Nessas areias da Paraíba, cantam sereias,
e, no poente, desfiam encantos, sempre em cordel.
Quem fita o mar, nessa Paraíba, vê como vibra
com tanta cor, esse encantamento, que tinge o céu.
Pelos caminhos da Paraíba, no Sol ardente,
forjam-se as almas dos seus Ulisses, vindos do agreste,
com formas rudes, de almas limpas, corações quentes,
surge essa gente que ama gente, e que se veste
de cores fortes, palavras fortes, tão definidas,
gente tão forte, que enfrenta o vento, que ama a vida,
e que transborda na expressão de seus sentimentos.
Gente com luz, pois, junto com o Sol, se levanta cedo,
e que se entrega, e que vive a fundo cada momento.
Em tantos cantos meus pés pisaram e pisarão ainda,
nas idas e vindas que pede o amor a essa saga humana,
mas, querendo ou não, vai estar sempre preso, o meu coração,
ao misterioso encanto dessa magia paraibana.
Por isso, ele é simples, e por isso ama tão intensamente,
graças à semente, que talvez seja só um grão de areia.
Por isso, ama a Luz que a madrugada apenas pressente,
e segue seu Canto, como se fosse uma voz de sereia.








PEQUENA BALADA DA DAMA (canção)




Viemos trazer a harmonia a um mundo onde há Caos...
Trazemos beleza e energia da fonte ancestral...
Trazemos tantas sementes para a vida que vem...
Fluímos, como as correntes, rumo ao Mar e ao Bem.


Traçamos canais em que o Belo se mostre, além dos véus,
caminhos em que o coração se eleve até os céus...
Tornamos a Terra fértil com o Mistério da Ação,
buscando a sintonia com a Vida que vibra em nós,
e ecoa qual canção...


O mundo aprende a ver o Belo por nossa inspiração,
compreende e consagra sua vida em águas do coração...
Qual símbolos para essa Alma que te cabe encontrar,
serenas tais como os lagos, poderosas qual o Mar...


Qual símbolos da Alma que te cabe encontrar....






Oração do jovem:




Senhor, dá-nos a nossa dose de Glória,
libertai-nos das cadeias asfixiantes
do apego desmedido ao conforto e ao prazer.
Fazei com que cada manhã invada nossa alma com luz,
afaste as nuvens do esquecimento e traga à tona lembranças
que soem como música, que despertem, como mágica,
como contundente chamada para buscarmos o que ficou inacabado.
Dá-nos as justas lágrimas, Senhor, pela dor que carregam os homens,
mas dá também o calor da chama para espantar a inércia
e pôr-nos de pé ante a tormenta,
na atitude de quem ama os desafios,
para que possamos perceber em nós teus traços,
a nós, que te sonhamos o mais grandioso guerreiro,
e que temos a sede de servir-te neste mundo,
emissários de tua força, portadores de tua insígnia, extensão de teu Braço..
Reforça em nós, Senhor, nesta manhã, a lembrança,
que não sejamos vencidos pelas sombras que pairam
sobre os que dormem indefinidamente,
pelo torpor que traz inércia, desonra e covardia,
e nem tomados pelo medo, pelos pretextos da mente,
por ruídos e argumentos de nossas montarias,
com seus apelos vários.
Ensina-nos a negar o capricho de estar onde parece melhor,
e dá-nos a glória de estar onde somos necessários.
Que nenhuma dor seja mais contundente, mais dilacerante
que a da mediocridade e a da apatia.
Que avancemos, com teu Brasão, contra as sombras,
que te orgulhes com nosso Valor.
Que cada célula nossa vibre de asco e de compaixão
ante a deslealdade e a fraqueza.
E que amemos, acima de tudo, teu Poder e tua Nobreza,
e que esse Amor imprima em nós os sinais de uma saga sagrada,
de Escolta de Honra do Senhor do Mundo
em sua missão pela Terra.
E que esse Amor, e nenhum outro, seja o Nome
ante o qual nossa alma se reconheça
a cada nova Alvorada.
Senhor, dá-nos a nossa dose de Glória...
Senhor, dá-nos a nossa dose de Glória...
Senhor, dá-nos a nossa dose de Glória...
Glória!








JAYA !




Saúdo a Rama, Senhor dos Mundos,


renovador que és da Sagrada Chama,


inspirador de nobreza e esperança,


por tua lembrança e a de tua saga,


eterna saga da espécie humana.


Todos os seres, tuas ferramentas,


todos lugares, teu Reino Eterno,


tua própria vida nos alimenta,


Ser Radiante, implacável e terno.


Ainda é possível encontrar teus passos,


nessa floresta indomada e escura.


Ainda é possível vencer o espaço


e resgatar, da sombria Lanka,


a nossa Sita, incansável e pura.






Eu me inclino a Rama, Senhor dos Mundos,


Tu nos renovas, Guardião do Dharma.


Voltamos a polir as nossas armas,


e retomamos nossas armaduras.


Por trás do aço, por trás das lâminas,


o nosso coração desperta e arde e clama...


Quem sofre e vibra em teu nome, Rama,


jamais irá trilhar a terra em vão.


Ainda que trema o mundo ou a noite caia,


o tempo cessa ante teu Nome, Jaya!


e cessa a dúvida em meu coração.














Sondando os segredos do amor





Talvez haja mais do que a profusão de suaves sensações


tão doces e belas como só sabem ser as manhãs


a justificar as reais razões pelas quais eu amo.


assim quero crer, pois, a mim, parece ser muito mais.


Sabe lá se não persiste a presença da ilusão


que sempre rondou incansavelmente o coração humano...


Mas, por muito intensa que chegue a ser sua expressão,


ainda sendo assim, isso, para mim, parece bem pequeno.


Sinto-me qual fosse a estranha viajante de um mundo fugaz,


tingido em cores tais que se descolorem progressivamente.


Onde o que penso e o que sinto quase sempre mentem,


e aquilo que vejo, ante os meus olhos já se desfaz.


Eu rastreio um mundo de fria luz, um mundo vazio,


busco um Oceano de uma vazia serenidade.


Como um denso mar onde cessarão todos os desejos,


onde o que vejo é definição e absoluta paz.


Quero achar o rastro, o sutil segredo que abre esse portal


e compartilhar minha ânsia crescente de estar com Deus.


Não posso ofertar um amor de alento, um amor banal,


onde minha carência e outras carências calem um momento.


Não quero que seja o meu amor para o esquecimento,


mas uma lembrança que nos motive a estar sempre despertos.


Quero estar com os meus, mas unida aos meus, não apenas perto.


Despertar minha alma e somar a outras em um Atanor,


e assim, conquistar parte do mistério da Unidade.


Pois só como a gota do Amor Maior, com Beleza e Verdade,


é que eu compreendo a real natureza do meu Amor.










Citrinitas(*)
“Cada Momento de nossa vida
tem importância,
tem uma força histórica.
Jamais voltaremos a estar
como estivemos.” JAL.


Todo tempo não é mais que um mistério,
como fosse uma criptografia.
Como um jogo de revela-esconde
dos sinais que indicam a via
que conduz ao Segredo: aonde?
Onde foi que deixei, no caminho,
tantos rostos e gostos e ”eus”?
Ou será que o que sou se esqueceu,
qual se a vida fosse estranho vinho?
Ou será que o que sou criou asas,
e deixou sua pálida casca,
e o que vejo de mim é só máscara
e o Ator já retorna à casa?
Quando o ágil vendaval do tempo
já me envolve e, à minha volta, assovia,
arrastando minhas vestes sombrias,
vejo mais do meu Corpo Real.
Mais um ciclo e mais um vendaval,
lá se vai mais um véu, novamente.
Talvez só uma pequena semente
restará da tormenta final.
Já a sinto em meu peito, agora,
tensionando, buscando espaço.
Em meu rosto, já sinto seus traços
associados àqueles que o tempo
desenhou, com seu hábil compasso,
dando à obra o arremate essencial.


Pois quando o tempo circula, em suas eras,
algo adormece e algo desperta ao sono.
Eis que o meu rosto já se tinge de outono,
mas o meu peito explode em primaveras.








(*) Citrinitas é, no trabalho alquímico, a “Obra em Amarelo” que se segue à “Obra em Branco”, ou seja, a maturidade, a “velhice de alma” que ocorre quando se logra alguma purificação, e que nos aproxima da “Obra em Vermelho”, a espiritualidade. Nesse momento, em Citrinitas, se abre a “Cauda Pavonis”, a cauda do pavão, com todas as cores do Universo,e se descobre que tudo isso existe dentro de nós , assim como existe fora.








Prece pela poesia




Senhor, concedei-me a Poesia...
Sem ela, as cores se afastam,
e a vida que resta é tão fria...
E o coração já duvida,
e o tempo é convertido em nada,
e a alma se cala, sombria,
e o fio se perde, na espada.


Senhor, concedei-me a calma
por trás do vibrar da matéria.
Ensinai, Senhor, como a Alma
destoa ao pulsar da artéria,
mas toma, no ar, vosso pulso,
vê vossas pegadas, no espaço,
estáveis, ainda que etéreas.


Senhor, concedei-me a confiança
que alenta os que marcham sem medo.
Que os sonhos nos soprem segredos
e as dores despertem lembranças.
Que as ânsias por perdas ou ganhos,
estranhos a quem nada espera,
não expulsem as reais Esperanças.




Senhor, concedei-me a graça
de nada pedir, só a entrega
do Sonho, que à terra se nega,
do Amor, que a terra ultrapassa,
da Alma, que, da vossa, é parte.
Da voz, que espera ser ponte,
à Voz, que se expressa na Arte.






Sonhos e anseios do meu Amor:




Quanto mais te tenho, mais te quero,
numa infindável sede da tua alma.
Se sinto e penso, sonho, ardo e espero,
quando os maus ventos ou as marés calmas
retardam o encontro deste novo mundo,
é que o profundo anseio do meu peito
já não aceita pausa ou adiamento.
Espera ardente o especial momento
de estar contigo tão profundamente
que já não haja morte ou esquecimento,
qualquer fronteira entre o que sinto e o que sentes,
qualquer barreira ou véu que nos divida,
ou que iluda, levando ao fim a vida,
pois que não há fim na Vida verdadeira.
Se é nos teus olhos, sempre, que a minha alma
pode encontrar-se e ver-se, refletida,
se há só uma alma, por que há duas vidas?
se há só uma vida, por que te perderia?
Envolto em véus, meu coração duvida,
pois que não vê ainda, mas confia
em que haverá o tempo, virá o dia
em que verá tão clara e límpida a verdade,
que bailará, repleto de alegria,
que expressará, na mais pura poesia,
o teu mistério e o meu, na Unidade.








Canto de Psiquê para Eros




Tempos banhados de sol em um reino sem fim,
meus dias são.
Sedas, brocados e belos jardins
de ilusão.
Mas meus sonhos, sem ânsia, anunciam
que, à distância,
meu misterioso esposo vem.


E assim que as sombras cobrem
a noite, silencioso,
tão suave e tão nobre,
vem meu esposo.
E até as estrelas sentem
quando ele está presente,
tão belo e luminoso, o meu esposo.


Quando a aurora retorna, veloz,
e o vazio ocupa o meu leito,
ele sempre está guardado em meu peito.
Quando expresso sentimentos,
em tudo o que toco e vejo,
vou deixando o suave toque dos seus beijos.
Ao bordar meu nobre manto,
pois viver é Grande Arte,
o seu rosto eu vou bordando em toda a parte.
Nas canções que me embalam,
neste tempo que consome,
em cada frase que falo, ouço seu nome.


Como bordar um rosto ignorado?
Será loucura?
Como amar alguém que está ao meu lado
apenas na noite obscura?
Como cantar um nome que citado
não foi jamais?
Como servir a algo tão velado
e tão fugaz?


Vencendo a dúvida, cruel açoite,
enfrento o dia, fiel à Noite:
contra escravos da volúpia,
contra os servos do desejo,
em misteriosas núpcias,
amo a quem não vejo.
Entre presas da paixão,
neste estranho labirinto,
abro o meu coração
ao que pressinto.
Entre estranhos mercadores,
que dormem sós, ao relento,
embriagados pela voz do esquecimento,
eu caminho sem temores,
confiante na lembrança
que me inspira essa brilhante Aliança.


Superadas minhas provas, um dia, verei seu rosto,
com novos olhos, com vestes novas.
Superados meus limites, um dia, terei asas
para encontrar minha casa.


Então, em plena liberdade,
pelos ares, pelo espaço,
Cruzarei a eternidade nos seus braços.
Embalado em doces versos,
dá-se o encontro tão perfeito,
no Coração do Universo, o nosso Leito.






Tua voz.






Tua voz,


e já não necessito nada.


Só tua voz, e nada mais,


e renasço, renovada.


Dá-me o tom singular de tua voz,


é tudo quanto te peço.


Não careço querer mais,


só tua voz, e o mais é excesso.


Dá-me ouvir esta tua voz


enquanto estiver no caminho.


Não ouso e não quero ter mais,


só tua voz, que degusto, qual vinho.


Não a dês a mim em demasia


se não queres minha embriaguez.


Mas evita a sede e a agonia


que me aguarda caso não a dês.


Mas se, acaso, me queres feliz,


vem e embala todos meus momentos


com a magia dessa tua voz,


melodia aos ouvidos atentos.


Mas se queres o que eu sempre quis,


que é ouvir-te pela eternidade,


faz que eu ame, através de tua voz,


a Beleza, a Justiça, a Verdade.


Faz que eu ame, com o Amor que te tenho,


essa Trilha em tua voz percebida.


Para ouvir-te, de novo, aqui venho,


e virei, sempre que houver Vida.












À Mary Elizabeth Haskell.






“É bom saber que a montanha possui um topo.


Melhor ainda é ter certeza de que sua bem-amada o quer ver ali amanhã.


Minha vida é apenas um conjunto de notas musicais


que seu coração transforma em melodia.


Que sejamos sempre capazes de viver


tudo o que há de sagrado em cada instante. “


Gibran Khalil Gibran








Houve, um dia, um homem grandioso,


houve, um dia, uma dama tão pura...


Em ambos, plantou sua semente a poesia,


de ambos, a Musa dosou a mistura,


tecendo, com toda sua graça e perícia,


os laços que unem criador e criatura.






Pois sabe a Musa que, sem a grandeza,


buscar a pureza é estéril;


e sabe que, sem a pureza,


a ânsia do grande é obscura.


Pois sente que, sem haver terra,


a semente é só mistério;


e sente que, sem a semente,


nem terra nem vida perdura.






Era fonte de vida, essa dama,


era terra gentil, generosa...


Buscou rosas, e nasceram... rosas,


com sementes de terras distantes.


de terras do cedro imponente,


de sonhos que não houvera antes.






Khalil era o cavalheiro,


Mary era a dama gentil.


Ela, os seus sonhos nutriu,


com seu amor verdadeiro.


Ela soube amar Khalil,


e entregou-se por inteiro.


Ela, que nada queria,


ele, que ansiava o universo...


Ela, amor e energia,


que ele traduzia em versos.


Ela o sonhava um gigante,


ele a sentia sagrada.


A noite e a luz radiante


enlaçam-se na alvorada.


Ela, noite de mistérios,


serena e silenciosa.


Ele, esplendor etéreo,


luz vertida em voz e prosa.


A magia que os envolve


é clarão que nos alcança;


Nem mesmo o tempo dissolve


a força de tal aliança.






É amor tão raro e puro,


amor que se eleva a Deus...


Duas almas, que, unidas,


transbordam a vida


e buscam os céus.






Ave, Mary, pois que tua pureza


há de te fazer cheia de graça.


Graças a ti, eis que a beleza


pôde brotar e encher nossas taças.


Ave, Mary, pois que certamente


o Senhor será também convosco,


já que teu coração e tua mente


mais que a Mary, voltaram-se a Deus.


És qual estrela, pois que os sonhos teus


por teu amor, se erguem no azul profundo,


pois o nobre sempre ascende aos céus,


e o denso desce e adere ao mundo.










Como a estrela que entrega o seu brilho,


sua energia como o combustível,


dando luz e calor aos seus filhos


e, ao se dar, nada de seu reserva,


a flor do Líbano, tão sensível,


que se fez flor, mesmo em meio à erva,


deve a ti o milagre da vida.


Tua amada flor, que, finalmente,


por nós será, também, tão querida,


ainda que sejamos inconscientes


desse mistério, belo e sutil...


de amar a terra ao amar sementes,


de amar a Mary ao amar Khalil.














Para Maria Callas


À minha sacerdotisa Norma,
 com gratidão e carinho.






Mulher tão bela, cuja vida é um drama,


como não ouves tua voz divina?


Através dela, tua alma clama,


através dela, a Voz de Deus te ensina.






Por que não ouves teu timbre perfeito


com a vibração que o coração derrama?


Com tanto amor que de tua voz emana,


de que outro amor carece mais teu peito?






Dual mulher, potencial de Dama,


voz de uma Deusa, alma de menina,


queiram os Deuses que, atrás da cortina


que te oculta à visão humana,






sintas o amor que te foi dado, em tua voz,


e a missão que, por aqui, deixaste aberta.


Teu coração, que ainda descansa entre nós,


há de vibrar com o toque desta descoberta.






A natureza te fez sacerdotisa;


honra a missão a que ela te destina:


dar vida aos sonhos de que o homem precisa.


Transforma em glória o que vês como uma sina!






Desperta de toda ilusão que te envolva,


canta aos Deuses, para que tenham piedade


e, bem depressa, a este mundo, te devolvam


para entoar cantos de amor à humanidade.










OUTONO








Momento de maturidade, luz dourada,


safra colhida, há que extrair o grão


que voltará à terra na estação


em que se brinda à vida renovada.






Tarde dos ciclos, hora do poente,


de colher frutos, cumprida a missão,


sintetizar a vida em sua expressão


mais reduzida, misteriosa semente.






Logo virá a noite, e a vida hiberna,


e a lei dos ciclos cumpre seu caminho


que vai da vida dual à vida eterna,


qual frágil uva ao persistente vinho.






Que, ao passar por nós, o áureo outono


faça ecoar o som do duradouro...


e, ao mergulhar o transitório em sono,


possa tornar homens de terra em homens de ouro.












BRASÍLIA








Cidade bela,


tão ampla em teus horizontes...


A tantos sonhos


erguestes pontes...


A tanta vida


foste alvorada...


Cidade alada,


braços alados, sempre tão abertos,


teus verdes espaços,


Tal liberdade dás aos que os seus sonhos


embalam em teus braços,


pois que tu mesma de um sonho nascestes,


cidade celeste...


De céu tão amplo em possibilidades,


tão propensa à criação,


a soltar pipas e a imaginação


e a extasiar-se ante a beleza desse teu poente...


Cidade ardente,


terra vermelha, coroada em arcos por um céu enorme...


Os teus ipês despertam em delírio enquanto a terra dorme,


e tuas mãos-cerrado brindam ao céu em misteriosos mudras,


em silencioso e expressivo culto à tua liberdade,


simples cidade,


singelos riscos, geoglifo aberto, mensagem ao celeste...


Se aqui nascestes,


padecerás de estranha asfixia em qualquer outra terra,


pois que nenhuma ousa dar aos filhos tanto ar e espaço...


Só teu regaço,


e a frustração de jamais estreitar-te em apertado abraço,


pois que tu és, por natureza, avessa a estreitos limites,


vivo convite


a alçar vôo sobre a terra rubra rumo a um céu em brasas,


teus filhos também possuem asas,


teu céu é meta permanente.


Teu seco ar dá leveza


e torna afeito ao Fogo o peito


de teus nativos,


altivos filhos de uma terra


com vocação de fênix.


E a cor que tanto amas,


com que tinges céus e terra,


também tinge o que há em nosso peito,


uma vez que teus traços herdamos,


uma vez que te amamos, Brasília.

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